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domingo, 19 de julho de 2009

Poesia




é a visita do tempo nos teus olhos,
é o beijo do mundo nas palavras
por onde passa o rio do teu nome;
é a secreta distância em que tocas
o princípio leve dos meus versos;
é o amor debruçado no silêncio
que te cerca e que te esconde:
como num bosque, lento, ouvimos
o coração de uma fonte não sei onde...

Vítor Matos e Sá, in 'Esparsos'

sábado, 18 de julho de 2009

Subjectividades


Pintura de Luís de Sá no Posto de Turismo de Constância - Subjectividades
De 18 de Julho a 2 de Agosto a sala de exposições do Posto de Turismo de Constância tem patente ao público uma exposição de pintura denominada Subjectividades, da autoria de Luís de Sá.

A mostra tem a sua inauguração marcada para o próximo sábado, dia 18 de Julho, pelas 16.00H.

Subjectividades é uma mostra de pintura em que a pincelada subjectiva predomina nos quadros, não dando quase importância aos pormenores nem ao mundo objectivo, mas sim ao conjunto e ao pensamento.

Utilizando como ferramenta a interpretação, onde se pode ampliar, diminuir e suprimir tanto na cor como no desenho, é uma pintura que está entre o impressionismo e o expressionismo. Impressionismo porque alguns destes quadros foram realizados directamente em contacto com o motivo dando relevância aos efeitos cambiantes da luz e apoiando-se na teoria da cor. Expressionismo porque é uma pintura, instintiva, dramática e subjectiva utilizando por vezes cores irreais com dinamismo, improvisado, abrupto e inesperado.

Nesta exposição onde se encontram paisagens, desenhos marítimos e retratos é possível apreciar várias técnicas como pintura a óleo, pintura em acrílico, aguarela e desenhos a carvão.

Subjectividades tem as suas portas abertas nos dias úteis das 9.30H às 13.00H e das 14.30H às 17.30H, e nos sábados e domingos das 14.30H às 18.00H.

Por CMC

Desejo!

Janela do Sonho .




Abri as janelas
que havia dentro de ti
e entrei abandonado
nos teus braços generosos.

Senti dentro de mim
o tempo a criar silêncio
para te beber altiva e plena.

Mil vezes
repeti teu nome,
mil vezes,
de forma aveludada
e era a chave
que se expunha
e fecundava dentro de mim.

Já não se sonha,
deixei de sonhar,
o sonho é poeira dos tempos
é a voz da extensão
é a voz da pureza
que dardejava na nossa doçura.

Quando abri as tuas janelas
e despi teus braços
perdi a vaidade
e a pressa,
amei a partida
e em silêncio abri,
(sem saber que abria)
uma noite húmida
em combustão secreta
desmaiado no teu ombro
de afrodite.

Carlos Melo Santos, in "Lavra de Amor"

sexta-feira, 17 de julho de 2009

O Erotismo .






Os homens mais novos não entendem o... como é que vocês dizem?... o erotismo. Até aos quarenta, caímos sempre no mesmo erro, não sabemos libertar-nos do amor: um homem que, em vez de pensar numa mulher como complemento de um sexo, pensa no sexo como complemento de uma mulher, está pronto para o amor: tanto pior para ele.

André Malraux, in 'A Estrada Real'

Homem Inacabado




Todas as árvores com todos os ramos com todas
[as folhas
A erva na base dos rochedos e as casas
[amontoadas
Ao longe o mar que os teus olhos banham
Estas imagens de um dia e outro dia
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
A transparência dos transeuntes nas ruas do acaso
E as mulheres exaladas pelas tuas pesquisas
[obstinadas
As tuas ideias fixas no coração de chumbo nos
[lábios virgens
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
A semelhança dos olhares consentidos com os
[olhares conquistados
A confusão dos corpos das fadigas dos ardores
A imitação das palavras das atitudes das ideias
Os vícios as virtudes tão imperfeitos

O amor é o homem inacabado.

Paul Eluard, in "Algumas das Palavras"

Partir.


Quantas vezes descobri onde deveria ir, apenas por partir para um outro lugar ...

quinta-feira, 16 de julho de 2009


Tentação .



Eu não resistirei à tentação,
não quero que de mim possas perder-te,
que só na fonte fria da razão
renasça a minha sede de beber-te.

Eu não resistirei à tentação
de quanto adivinhei nesta amargura:
um sim que só assalta quem diz não,
um corpo que entrevi na selva escura.

Resistirei a te chamar paixão,
a te perder nos versos, nas palavras:
mas não resistirei à tentação
de te dizer que o céu é o que rasa

a luz que nos teus olhos eu perdi
e que na terra toda não mais vi.

Luis Filipe Castro Mendes, in "Os Amantes Obscuros"

Ser Diferente.



A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos.

Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes'

Jardins Proibidos



[Em especial para a minha querida amiga Fátima.]

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A Idade não nos Torna mais Sábios



As pessoas imaginam que precisamos de chegar a velhos para ficarmos sábios, mas, na verdade, à medida que os anos avançam, é difícil mantermo-nos tão sábios como éramos. De facto, o homem torna-se um ser distinto em diferentes etapas da vida. Mas ele não pode dizer que se tornou melhor, e, em alguns aspectos, é igualmente provável que ele esteja certo aos vinte ou aos sessenta. Vemos o mundo de um modo a partir da planície, de outro a partir do topo de uma escarpa, e de outro ainda dos flancos de uma cordilheira. De alguns desses pontos podemos ver uma porção maior do mundo que de outros, mas isso é tudo. Não se pode dizer que vemos de modo mais verdadeiro de um desses pontos que dos restantes.

Johann Wolfgang von Goethe,

Desejo Indomável




Como corre a gazela
pela sombra dos bosques,
enlouquecida pelo próprio perfume,
assim corro eu, enlouquecido,
nesta noite do coração de maio
aquecida pela brisa do Sul.

Perdi o caminho
e erro ao acaso.
Quero o que não tenho,
e tenho o que não quero.

A imagem do meu próprio desejo
sai do meu coração
e, dançando diante de mim,
cintila uma e outra vez,
subitamente.

Quero agarrá-la, mas escapa-se.
E, já longe, chama-me outra vez
do atalho ...
Quero o que não tenho
e tenho o que não quero.

Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"

Juntos.


Para estar junto não é preciso estar perto, mas sim do lado de dentro.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Do livro :O vencedor está só.


A gaivota voava por cima de uma praia no Golfo,quando viu um rato.Desceu dos céus e perguntou ao roedor:
-Onde estão as tuas asas ?
Cada bicho fala um idioma,o rato não percebeu o que ele disse;mas reparou que o animal que estava á sua frente tinha duas coisas estranhas e grandes a sair do corpo.
'Deve sofrer de alguma doença'pensou o rato.
A gaivota percebeu que o rato olhava fixamente para as suas asas:
-Pobrezinho,foi atacado por monstros que o deixaram surdo e lhe roubaram as asas.
Compadecida,pegou-lhe com o bico e levou-o a passear nas alturas.'Pelo menos mata saudades',pensava,enquanto voavam.
Depois com todo o cuidado,posou-o no chão.
O rato,durante alguns meses,tornou-se uma criatura profundamente infeliz;tinha conhecido as alturas,viu um mundo vasto e belo.
Mas, com o passar do tempo,acabou por se habituar novamente a ser rato e achou que o milagre que tinha acontecido na sua vida não psava de um sonho.

Paulo Coelho.

Coisas diferentes.


Amor e desejo são coisas diferentes. Nem tudo o que se ama se deseja e nem tudo o que se deseja se ama .

Se um Dia a Juventude Voltasse ...




se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória
com a língua em teus cabelos dormiria no sossego
da noite transformada em pássaro de lume cortante
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida

sulcaria com as unhas o medo de te perder... eu
veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza
apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras
porque só aquele que nada possui e tudo partilhou
pode devassar a noite doutros corpos inocentes
sem se ferir no esplendor breve do amor

depois... mudaria de nome de casa de cidade de rio
de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos
mas aconteça o que tem de acontecer
não estou triste não tenho projectos nem ambições
guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos
espalho a saliva das visões pela demorada noite
onde deambula a melancolia lunar do corpo

mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim
com suas raízes de escamas em forma de coração
e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido
pegaria sem hesitações no leme do frágil barco... eu
humilde e cansado piloto
que só de te sonhar me morro de aflição

Al Berto, in 'Rumor dos Fogos'

segunda-feira, 13 de julho de 2009

O Inconveniente da Razão



O filósofo Pírron, encontrando-se num barco num dia de grande tormenta, mostrava aos que via mais apavorados ao seu redor um porquinho que lá estava, nem um pouco preocupado com aquela tempestade, e encorajava-os com o seu exemplo. Ousaremos dizer então que esse privilégio da razão, que tanto celebramos e por causa do qual nos consideramos donos e imperadores do restante das criaturas, tenha sido colocado em nós para tormento nosso? De que adianta o conhecimento das coisas se com isso perdemos o repouso e a tranquilidade que sem ele teríamos, e se nos torna de condição pior do que o porquinho de Pírron? A inteligência que nos foi dada para nosso maior bem, empregá-la-emos para nossa ruína, lutando contra o desígnio da natureza e contra a ordem universal das coisas, que indica que cada qual use os seus instrumentos e meios para benefício próprio?

Michel de Montaigne, in 'Ensaios'

Livro do Amor




O mais singular livro dos livros
É o Livro do Amor;
Li-o com toda a atenção:
Poucas folhas de alegrias,
De dores cadernos inteiros.
Apartamento faz uma secção.
Reencontro! um breve capítulo,
Fragmentário. Volumes de mágoas
Alongados de comentários,
Infinitos, sem medida.
Ó Nisami! — mas no fim
Achaste o justo caminho;
O insolúvel, quem o resolve?
Os amantes que tornam a encontrar-se.

Johann Wolfgang von Goethe, in "Divã Ocidental-Oriental"

Caminhar.


"O homem requer sempre uma inatingível meta, uma esperança vã, um descontentamento, que o incite a caminhar para a frente. "

domingo, 12 de julho de 2009

Da condição humana.



Todos sofremos.
O mesmo ferro oculto
Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta
O mesmo sal nos queima os olhos vivos.
Em todos dorme
A humanidade que nos foi imposta.
Onde nos encontramos, divergimos.
É por sermos iguais que nos esquecemos
Que foi do mesmo sangue,
Que foi do mesmo ventre que surgimos.

Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue'

Carícias.


As carícias são tão necessárias para a vida dos sentimentos como as folhas para as árvores. Sem elas, o amor morre pela raiz ...

Escolhas.


Liberdade não é poder escolher entre preto e branco mas sim abominar este tipo de propostas de escolha .

sábado, 11 de julho de 2009

Alguma mágoa..







Vinha trazendo no coração uma mágoa antiga que só fazia doer. Não sabia o que fazer com ela. E como apertava... E como doía... Ficava ela ali no canto esquerdo, bem quieta. Dava os ares de sua graça nas horas mais impensáveis. E como manchava... E como mexia... Pulava no peito como bola desgovernada que desce a ladeira sem olhar para os lados. Queria esquecê-la. Queria traí-la. Trancá-la lá fora sem pena da chuva. Deixando-a molhar como pano de porta, que sem borda aos poucos se encharca. Queria poder juntá-la com as mãos e com desespero de marujo perdido, arrancá-la para fora do barco. Deixá-la à deriva em companhia das ondas. Ela que se salvasse. Que se afogasse lentamente na imensidão fria dos mares. De longe eu acenaria em meu iate invencível, lamentando por não ter feito isso há mais tempo. Feliz por ter extirpado todo o tumor. Chegaria em casa tranqüila, talvez cansada da viagem. Tomaria uma Novalgina e iria cheia de graça pra cama. Sonharia com cores impossíveis e palavras ainda perdidas. Acordaria plena. Descansada. Completamente feliz. Escreveria meus versos roubados do invisível e ouviria os sons capturados do mundo. Prosseguiria vivendo a procura do irreal e do permitido. E seria feliz se não fosse a falta que se alojaria no peito clamando pela mágoa uma vez perdida, a reclamar junto com a lua sua ausência.

Alice Venturi.

Admirar !


Amar é admirar com o coração; admirar é amar com o espírito .

Amo-te Sempre .




Amo-te sempre
com um pouco de barco e de vento
com uma humildade de mar à tua volta
dentro do meu corpo; com o desespero
de ser tempo;

com um pouco de sol e uma fonte
adormecida na ternura.

Merecer este minuto de palavras habitando
o que há sem fim no teu retrato;
Este mesmo minuto em que chegam e partem navios
- nesta mesma cidade deste
minuto, desta língua, deste
romance diário dos teus olhos -

(e chegarão com armas? refugiados? trigo?
partirão com noivas? missionários? guerras? discursos?)

Merecer a densa beleza do teu corpo
que tem água e ternura, células, penumbra,
que dormiu no berço, dormiu na memória,
que teve soluços, febre, e absurdos desejos
maiores que os braços,

merecer os dias subindo das florestas - e vêm
banhar-se, lentos, nos teus olhos...

Merecer a Igreja, o ajoelhar das palavras,
entre estes cinemas visitando, em duas horas, a alma,
estes eléctricos parando atrás do infinito
para subirem os namorados, a viúva, o cobrador da luz, a
costureira
entre estes homens que ganham dinheiro, sangue frio, ou vícios,
ou medalhas
e estes telefones roubando a lealdade dos olhos...

Teus cabelos cheirarão ainda a infância
e a vento, depois de passarem por esta fome pública,
estes olhos com regras de trânsito, estes dias sujos,
estes lábios que já não ensinam o pomar
ou a fonte, nem têm gosto de leite e de aurora,
depois destes olhos cheios da pergunta de estarem vivos
em vão?

Merecer honradamente este poema, todos os poemas,
como quem parte, entre os dedos a brancura
quente de um pão!

Vítor Matos e Sá, in 'Esparsos'

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Alegria.


O homem hoje, para ser salvo, só tem necessidade de uma coisa: abrir o coração à alegria ...

Pró Pudor




Todas as noites ela me cingia
Nos braços, com brandura gasalhosa;
Todas as noites eu adormecia,
Sentindo-a desleixada a langorosa.

Todas as noites uma fantasia
Lhe emanava da fronte imaginosa;
Todas as noites tinha uma mania,
Aquela concepção vertiginosa.

Agora, há quase um mês, modernamente,
Ela tinha um furor dos mais soturnos,
Furor original, impertinente...

Todas as noites ela, ah! sordidez!
Descalçava-me as botas, os coturnos,
E fazia-me cócegas nos pés...

Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'

amantes !


Exige-se, para o perfeito amor, que o amado ame o amante; que este ame, em si próprio, o amante que ama o amado e que o amado ama, o mesmo tendo de haver no correspondente. Que os amantes amem nos amados os amantes que a eles os amam. Ou, mais simples: que o amor se ame .

Agostinho da Silva

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Noite por Ti Despida !




Adulta é a noite onde cresce
o teu corpo azul. A claridade
que se dá em troca dos meus ombros
cansados. Reflexos
coloridos. Amei
o amor. Amei-te meu amor sobre ervas
orvalhadas. Não eras tu porém
o fim dessa estrada
sem fim. Canto apenas (enquanto os álamos
amadurecem) a transparência, o caminho. A noite
por ti despida. Lume e perfume
do sol. Íntimo rumor do mundo.

Casimiro de Brito, in "Solidão Imperfeita"

O Nosso Desejo de Liberdade não é Sincero.



Se estamos todos muito bem preparados para reclamar liberdade para nós próprios, menos dispostos parecemos para reclamar sobretudo liberdade para os outros ou para lhes conceder a liberdade que está em nosso próprio poder; se conhecêssemos melhor a máquina do mundo, talvez descobríssemos que muita tirania se estabelece fora de nós como se fosse a projecção ou como sendo realmente a projecção das linhas autocráticas que temos dentro de nós; primeiro oprimimos, depois nos oprimem; no fundo, quase sempre nos queixamos dos ditadores que nós mesmos somos para os outros; e até para nós próprios, reprimindo todas as tendências que nos parecem pouco sociais ou pouco lucrativas, desejando muito que os outros nos vejam como simples, bem ajustados, facilmente etiquetáveis.

Agostinho da Silva, in 'Sobre as Escolhas'

Jogo Literário.

A Angela do blog http://angelabeneguedes.blogspot.com



convidou a participar de um jogo muito interessante. Consiste em escrever o quinto parágrafo ou frase da página 161 do livro à sua escolha e, em seguida convidar outros amigos para fazer o mesmo. Junto à postagem, deixe o link de quem o convidou para participar.

Aqui vai:

-Disseste que sabias o que Annie e o jardneiro fizeram.Bem,eles não são casados,por isso foi mal feito,mas,quando se é casado,é na verdade uma bela coisa,sentiu-se corar e esperou que a filha não olhasse para ele nesse momento.É muito bom mesmo apenas fisicamente,sabes.Impossível de descrever,talvez como sentir o calor de um lume de carvão.


Pedacinhos de mim.

Pedras tuas

África em poesia

Momentos meus

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Acaricia-me.

Postal.






Como de costume, colocou os dois pratos sobre a mesa. Não havia sorriso, não havia fome. Enquanto a comida esfriava, a tempestade fazia barulho ao bater no teto. Vez ou outra se ouvia as rajadas do trovão, ainda que distantes. A mão delicada de Madalena aproximou-se lentamente da janela, como um arrepio que sobe pela espinha. Aquela janela velha de madeira, azulada como quisera, se prendia pela tranca, mesmo estando contra o vento que vinha do oceano. Tivera medo do que estava lá fora, diante dela. Mas o rosto também chegou mais perto. Quem estava longe não veria os imensos olhos negros observarem pela fresta do vitral o lado de fora. Fechou abruptamente, com todos os sonhos que aquela mulher poderia ter.

O aceno, o último olhar, se transformava naquela luz que aparecia no mar. Subindo e descendo, subindo e descendo, subindo assim, descendo de lá. As ondas aumentavam, e a luz ao longo do horizonte, ia se distanciando. Um uivo de vento passava pela casa pequena, silenciosa. Se prestasse atenção, fazia-a tremer. A mão pequena fechava-se como se não pudesse mais agir. A flecha fora atirada. A palavra dita. Chegara sorrindo, queimado de sol.

— Descobri meu grande sonho.

Descobrir os sonhos pode custar caro.

— Quero conhecer o mundo.

Conhecer o mundo era ter ele todo para si.

— Você não pode conhecer o mundo.

— Posso. — Olhou para o mar.

— Então me leva.

— É perigoso.

— Então não vá.

Perde-se a luz de vista, mas logo surge mais pequenino, quase caindo no céu. Pedido fora negado.

— Meu sonho é conhecer o mundo — repetia.

A vida continuava, debaixo de sol ou sob a chuva fria que molhava rostos, com a mesma intensidade que a lágrima lhe escorria. E se perguntou, porque está arrumando suas coisas, por que seu barco está aí na frente. Entendera, mas não quis acreditar. Era o mundo que estava pronto para receber. O céu começou a fechar.

— Quero conhecer o mundo também — pegou-o pelo braço.

Beijou-lhe na despedida, assim como beijou a barriga que traria alguém para conhecer o novo mundo. Acariciou ternamente. Filho do adeus. A luz se apagou lá longe. O mar ainda revolto, revirava vidas dentro e fora dele.

— Eu tenho um sonho.

Olhou-a com curiosidade.

— Meu sonho é conhecer o mundo.

Ele sorriu e subiu no barco. Ela correu, mas percebeu que um sonho era mais forte que ela.

— Então me faça uma promessa.

Ele concordou com a cabeça. Madalena pediu, queria conhecer as coisas mais bonitas do mundo.

— Por onde você passar, me mande um postal.

A tempestade teima em não parar. A comida ainda esfria na mesa. E ela nunca recebera nenhum postal.

(Caio Tozzi)

A dança.




Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo directamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

Pablo Neruda

terça-feira, 7 de julho de 2009

Sono.


O sono é um bálsamo curador para todos os males .

A Cor da Tua Alma .




Enquanto eu te beijo, o seu rumor
nos dá a árvore, que se agita ao sol de ouro
que o sol lhe dá ao fugir, fugaz tesouro
da árvore que é a árvore de meu amor.

Não é fulgor, não é ardor, não é primor
o que me dá de ti o que te adoro,
com a luz que se afasta; é o ouro, o ouro,
é o ouro feito sombra: a tua cor.

A cor de tua alma; pois teus olhos
vão-se tornando nela, e à medida
que o sol troca por seus rubros seus ouros,
e tu te fazes pálida e fundida,
sai o ouro feito tu de teus dois olhos
que me são paz, fé, sol: a minha vida!

Juan Ramón Jiménez, in "Ríos que se Van"

A Razão é um Instrumento do Prazer !



Não existe objecto das nossas paixões, não importa quão vil ou despre­zível possa parecer, que deixemos de julgar como bom quando senti­mos prazer em possuí-lo. (...) Todas as coisas são merecedoras de amor ou aversão, seja em si mesmas, seja por meio de algo a que este­jam associadas; e, quando somos movidos por alguma paixão, nós rapidamente descobrimos no objecto o bem ou o mal que a alimenta. (... ) Isso é suficiente para fazer a razão, comumente um instrumento do prazer, funcionar de modo a defender a causa desse prazer.

Nicolas Malebranche, in 'Procura da Verdade'

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Perdão.







Hoje sonhei que te perdoava. Estamos sentados frente a frente, desconfortáveis, com olhares perdidos. Eu podia sentir o teu desespero mudo no ar, tocar nele, moldá-lo à minha maneira, fazer dele capricho meu. Você fingia tomar seu café e olhar pela janela. O café estava tão quente que era quase uma presença humana. Éramos, então, quatro: eu, você, o café e seu desespero, percebi nisso metáfora indizível. Mesmo no fim, mesmo em sonhos, nunca sozinhos.

Sádica, eu folheava o jornal displicentemente e jogava os cadernos pelo chão, bagunçando tudo de propósito, como que para te irritar pela última vez. Você, numa coragem súbita, quebra o silêncio. Apenas ergo os olhos, fitando-te friamente e volto a uma notícia tediosa, no caderno de política. Falava alguma coisa sobre um tratado político no Sul da África... você fala, fala, fala. Fala coisas que eu não entendo, ou não lembro. Diz que se arrepende, pede desculpas, promete o céu e felicidade eterna. Continuo a ler, termino mais uma página e a jogo no chão, quase com desprezo. Sentindo o corpo inteiro estremecer, numa raiva contida, você se limita a olhar com o canto do olho a mais uma provocação e ignora, permitindo-se um resto de orgulho.

Ao perceber que ainda somos nós — você, puro orgulho, eu, pura implicância — dou um meio sorriso, sabendo que não tenho o direito de me sentir feliz. Você, de repente, percebe tudo e dá um sorriso largo, criança em dia de natal. Surpresa, apenas arregalo os olhos, você ri do meu espanto. Mais alto. Gargalha. Contagiada, vou sentindo minha boca se abrir, tímida, até se escancarar. Sentimos o corpo tremer e rimos, em uma crise guardada, sem explicação, sem motivo.

Passamos tempo incontável assim, a rir sem motivos e, de repente, paramos. Pela primeira vez, nos olhamos de verdade, com olhos de quem ri, inocentes e carinhosos. Finalmente, nós dois entendemos e, calados, aceitamos nosso destino: orgulho e implicância. Nos perdoamos.


Izabel Santa Cruz Fontes

Quem não Ama...




Se a flor namora a flor que lhe é vizinha,
Se uma palma com outra enlaça os ramos,
Se nos prados, com cândidos reclamos,
Namora uma avezinha outra avezinha.

Se o mundo o seu Autor quando o sustinha,
Nos eixos do poder, que acreditamos,
Na longa rotação que divisamos,
Viu que, para o suster, Amor convinha:

Se Amor é um dever que impresso existe
Em tudo que vegeta a redondeza,
Em que o governo universal consiste:

Quem se exime de amor e a Amor despreza?
Quem ataca esta Lei? Quem lhe resiste?
Quem não ama, desmente a Natureza.

Francisco Joaquim Bingre, in 'Sonetos'

Arco-íris.


A alma não teria arco-íris se os olhos não tivessem lágrimas .

domingo, 5 de julho de 2009

Da Leitura


Não leias para refutar ou contradizer, para aceitar ou aquiescer, para perorar ou discursar, mas para ponderar e considerar. Certos livros devem ser provados; outros engolidos; uns poucos mastigados e digeridos. Quer dizer: devemos ler certos livros apenas parceladamente; outros incuriosamente, e uns poucos da primeira à última página, com diligência e atenção. Alguns livros podem mesmo ser lidos por terceiros, que nos farão deles um apanhado, mas isso somente no caso de assuntos desimportantes, e de livros medíocres, pois livros resumidos são como água destilada: insípidos.
O ler faz um homem completo, o conferir destro, o escrever exacto. Bem por isso, se alguém escreve pouco, deve ter boa memória; se confere pouco, muita sagacidade; se lê pouco, muita manha para afectar saber o que não sabe.

Francis Bacon, in "Ensaios Civis e Morais"

Esforço.


Quem nunca caiu não tem bem a noção do esforço que é preciso para se manter de pé .

Ser eu !





"Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra."

Hilda Hilst

sábado, 4 de julho de 2009

Paixão.

Falar...


Se tudo o que disser-mos tiver conteúdo e verdade,seremos sempre ouvidos,não importa o que digamos...

De Esquecer




Demorei-me muito tempo ao pé de ti.
As portas fechadas por dentro, como se encerrasses
o amor e a lei. Demorei-me demais. Ao fim da tarde,
nesse mesmo dia que já morreu,
olhámo-nos devagar, mas distraídos. Diria até que anoiteceu.

Nunca falámos do amor que chega tarde.
Nem o interpelámos (como se já não pudesse
ter nome). Fingia ter esquecido o teu corpo
nas muralhas. Nas areias.

Vês aqui alguma figura? Ninguém vê.
Repara no ponto preto que alastra na margem do quadro,
nas minhas lágrimas desse tempo.
Relê.

Luis Filipe Castro Mendes

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Humor !

Fui Sabendo de Mim .






Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

Margens.


Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem ...

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Destaques para o mês de Julho em Constância.


Os Ateliês de Verão, a Hora do Conto e a Mostra Bio-bibliográfica
constituem os destaques para o mês de Julho
A Biblioteca Municipal Alexandre O’Neill prossegue a sua estratégia de valorização do património bibliográfico e de ocupação de tempos livres e de lazer dos nossos utilizadores durante o período estival.

Para além das novidades literárias e audiovisuais e das actividades regulares de desenvolvimento da literacia dos seus utilizadores, às segundas-feiras, a partir das 14:00H, Os Ateliês de Verão, a Hora do Conto e a Mostra Bio-bibliográfica Conhece a Biblioteca e às quartas-feiras, a partir das 10.30 H a Hora do Conto, com O Livro da Avó de Luís Silva.

Continua a decorrer DVDteca à Sexta, na sala polivalente, a partir das 15:00H e em Julho as sessões terão o seguinte calendário: dia 3, A Casa Fantasma, dia 10, Minúsculos, dia 17, Macacos no Espaço, dia 24, Dia de Surf e dia 31, Madagáscar 2.

No Escritor do Mês, a mostra bio-bibliográfica pretende dar a conhecer a vida e obra de Alexandre Honrado. Nasceu em Lisboa, a 1 de Novembro de 1960 e muito jovem começou a escrever e a publicar textos em jornais, especialmente no Diário Popular, sendo o seu primeiro livro denominado Castelinhos no Ar. Mas, depressa, veio a ocupar lugar destacado numa nova geração de escritores portugueses de literatura para crianças e para jovens.

Tendo como principal objectivo promover o livro e a leitura, durante as quartas-feiras deste mês, a Biblioteca Municipal promove a Hora do Conto, baseado na obra de Luís Silva O Livro da Avó. Esta obra tem uma narrativa muito breve e simples, motivada pela memória e pela saudade de uma avó muito especial.

Para ocupar os tempos livres, os Ateliês de Verão irão realizar-se, às quintas-feiras, durante o mês de Julho e pretendem proporcionar aos participantes actividades lúdico-pedagógicas, contribuindo para o gosto pela leitura e pela expressão artística. Estas actividades terão as seguintes datas e temáticas: 2 de Julho – Ateliê Arte em Feltro, 9 de Julho – Ateliê Conhecer Andersen, 16 de Julho – Oficina de Construção de Herbário, 23 de Julho – Ateliê de Bordados, 30 de Julho – Ateliê de Dança.

Para informações, inscrições ou esclarecimentos adicionais contactar a Biblioteca Municipal Alexandre O´Neill através do número de telefone 249 739 367 ou via correio electrónico para biblioteca@cm-constancia.pt.

Leia mais. Viva mais.

Por CMC

Às Estrelas que Também Amo ! ! !






(Você entenderá ! ;-)

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."


Olavo Bilac

A Lealdade...


...É um Amor que Esquece o Mundo
Só se é realmente leal quando se está sujeito a alguém ou a algo. Aí, onde mesmo um sonho pode ser senhor. Na sujeição de quem serve uma causa, na sujeição de quem se submete a um chefe, na sujeição à pessoa amada, na sujeição do sentimento e na sujeição do dever, no sacrifício da liberdade, da razão e do interesse. No desperdício e no desprezo do que está à vista e do que está à mão, é nesta desagradável situação que se acha ou não acha a lealdade. É por ser selvagem e servil, mas só a um senhor, que a lealdade tem valor. É muito difícil ser-se leal, mas só porque é muito difícil seguirmos o coração. A lealdade é um amor que esquece o mundo.

Ao escolher um amigo, e ao ser-se amigo dele, rejeitam-se as outras pessoas. Quando estamos apaixonados, é através dessa pessoa que amamos a humanidade. O amor ocupa-nos muito. E para os outros, não fica quase nada.
Não se consegue ser leal ao ponto de calar o coração. Mas sofremos com as nossas deslealdades. Sabemos perfeitamente o que estamos a fazer, quem sacrificámos, e porquê. É por causa da consciência da nossa imperfeição que o ideal da verdadeira lealdade não pode ser abandonado ou alterado. O facto de ser incumprível não obriga a que se arranje uma versão softcore, mais cómoda e realista. É preciso aguentar. A lealdade é uma coisa tão cega e simples de determinar quanto é difícil de determinar quanto é difícil de seguir.

Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa'

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos







Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!

Mario Quintana

O Nosso Livro !



Deixa-me dizer-te, meu caro, pode bem acontecer que vás através da vida sem saber que debaixo do teu nariz existe um livro no qual a tua vida é descrita em todo o detalhe. Aquilo do qual nunca te deste conta antes, vais relembrando aos poucos, assim que comeces a ler esse livro, e encontras e descobres... alguns livros tu lês e lês e não lhe consegues encontrar qualquer sentido ou lógica, por mais que tentes. São tão "espertos" que não consegues perceber uma palavra daquilo que dizem... Mas esse livro que talvez esteja logo debaixo do teu nariz, tu lês e sentes-te como se tivesses sido tu próprio a escrevê-lo, tal como - como é que hei-de dizer ? - tal como tivesses tomado posse do teu próprio coração - qualquer que este possa ser - e o tivesse virado do avesso de forma que as pessoas o consigam ver, e descrito com todos os detalhes - tal e qual como ele é!
E como isto é simples, meu Deus! Porquê, eu próprio poderia ter escrito este livro! Porquê, de facto, porquê é que eu próprio não escrevi este livro!

Fiodor Dostoievski, in "Pobre Gente"

Contemporâneos-Jornal, Nacional de Sexta feira.