Seguidores
sábado, 13 de fevereiro de 2010
Os Livros Tristes.
É diferente a impressão que nos produzem os livros tristes; a ti entristecem-te e a mim alegram-me. Para os verdadei¬ros desgraçados, é sempre motivo de felicidade a desgraça dos outros; só os livros alegres e cheios de vida e de sol é que me entristecem, como tudo que é feliz. Eu odeio os felizes, sabes? Odeio-os do fundo da minha alma, tenho por eles o desprezo e o horror que se tem por um réptil que dorme sossegadamente. Eu não sou feliz mas nem ao menos te sei dizer porquê. Nasci num berço de rendas rodeada de afectos, cresci despreocupada e feliz, rindo de tudo, contente da vida que não conhecia, e de repente, amiga, no alvorecer dos meus 16 anos, compreendi muita coisa que até ali não tinha compreendido e parece-me que desde esse instante cá dentro se fez noite. Fizeram-se ruínas todas as minhas ilusões, e, como todos os corações verdadeiramente sinceros e meigos, despedaçou-se o meu para sempre. Podiam hoje sentar-me num trono, canonizar-me, dar-me tudo quanto na vida representa para todos a felicidade, que eu não me sentiria mais feliz do que sou hoje. Falta-me o meu castelo cheio de sol entrelaçado de madressilvas em flor; falta-me tudo que eu tinha dantes e que eu nem sei dizer-te o que era... É esta a história da minha tristeza. História banal como quase toda a história dos tristes. Mesmo que a quisessem pôr em romance, não dava para duas páginas; para folhetim também não serve porque lhe falta o enredo, serve só para te maçar, minha querida, não é verdade? Tu ainda tens medo dos livros que te fazem chorar... Pois, olha, dizem que a felicidade dos tristes são as lágrimas; eu creio-o bem...
Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"
Dá-me as Tuas Mãos .
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
A Liberdade de Coração é uma Mentira .
Pois então não vês que é um sonho, uma mentira atroz a liberdade do coração? Não o sentes tu bater, enraivecido e louco, pelo cativeiro? E podes tu, por acaso, soltá-lo? Que irrisão! E se o soltasses, se lhe abrisses de par em par as portas do teu peito, que faria ele em liberdade, pobre leãozito cego?!... Como ele lastimaria o fofo e quente ninho do seu tristíssimo cativeiro! Um coração perdido pela lama do mundo, pelo pó dos atalhos... Que desgraçado coração seria esse! É bem melhor tê-lo como eu digo: «Na paz da tua cela a soluçar...».
Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"
O meu eu.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Sou Insaciável
Eu sou insaciável; mal um desejo surge, outro desponta, e em mim há sempre latente a febre do sonho e do desejo, e quando possuo alguma coisa de infinitamente consolador, como é a sua amizade, desejo mais, mais ainda, mais sempre! Conhece-se em mim o afecto, o amor, a ternura por um egoísmo implacável que quer tornar muito meus, e só meus, os corações que se me dedicam um pouco. Dá isto muitas vezes o resultado de me suceder o mesmo que sucedeu ao cão que largou a presa pela sombra, pois querendo muito, muito perdeu. Pareço-me um pouco com esse cão pateta, não acha?
Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"
Gozo.
Origem do carnaval.
Todo mundo pensa que o Carnaval é uma festa típica do Brasil. Mas
toda essa farra existe desde a Antiguidade e vem de muito longe.
O
Carnaval originário tem início nos cultos agrários da Grécia, de 605 a
527 a.C. Com o surgimento da agricultura, os homens passaram a
comemorar a fertilidade e produtividade do solo.
O
Carnaval Pagão começa quando Pisistráto oficializa o culto a Dioniso na
Grécia, no século VII a.C. e, termina, quando a Igreja Católica adota a
festa em 590 d.C.
O primeiro foco de concentração
carnavalesca se localizava no Egito. A festa era nada mais que dança e
cantoria em volta de fogueiras. Os foliões usavam máscaras e disfarces
simbolizando a inexistência de classes sociais.
Depois, a
tradição se espalhou por Grécia e Roma, entre o século VII a.C. e VI
d.C. A separação da sociedade em classes fazia com que houvesse a
necessidade de válvulas de escape. É nessa época que sexo e bebidas se
fazem presentes na festa.
Em seguida, o Carnaval chega em
Veneza para, então, se espalhar pelo mundo. Diz-se que foi lá que a
festa tomou as características atuais: máscaras, fantasias, carros
alegóricos, desfiles...
O Carnaval Cristão passa a
existir quando a Igreja Católica oficializa a festa, em 590 d.C. Antes,
a instituição condenava a festa por seu caráter “pecaminoso”. No
entanto, as autoridades eclesiásticas da época se viram num beco sem
saída. Não era mais possível proibir o Carnaval. Foi então que houve a
imposição de cerimônias oficiais sérias para conter a libertinagem. Mas
esse tipo de festa batia de frente com a principal característica do
Carnaval: o riso, a brincadeira...
É só em 1545, no
Concílio de Trento, que o Carnaval é reconhecido como uma manifestação
popular de rua. Em 1582, o Papa Gregório XIII transforma o Calendário
Juliano em Gregoriano e estabelece as datas do Carnaval. O motivo da
mobilidade da data é não coincidir com a Páscoa Católica, que não pode
ter data fixa para não coincidir com a Páscoa dos judeus.
O
cálculo é um pouco complexo. Determina-se o equinócio da primavera, que
ocorre entra os dias 21 e 22 de março no hemisfério norte. Observando a
lua nova que antecede o equinócio, o primeiro domingo após o 14º dia de
lua nova é o domingo de Páscoa. Como o primeiro dia da lua nova, antes
de 21 de março, é entre 08 de março e 05 de abril, a Páscoa só pode ser
entre 22 de março e 25 de abril. O domingo de carnaval é sempre no 7º
domingo que antecede ao domingo de Páscoa.
O
Carnaval brasileiro surge em 1723, com a chegada de portugueses das
Ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde. A principal diversão dos foliões
era jogar água nos outros. O primeiro registro de baile é de 1840.
Em
1855 surgiram os primeiros grandes clubes carnavalescos, precursores
das atuais escolas de samba. No início século XX, já havia diversos
cordões e blocos, que desfilavam pela cidade durante o Carnaval. A
primeira escola de samba foi fundada em 1928 no bairro do Estácio e se
chamava Deixa Falar. A partir de então, outras foram surgindo até
chegarmos à grande festa que vemos hoje.
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Carnaval
Actividades alusivas ao Carnaval
no Município de Constância
Mascarados no Ginásio
O Ginásio Municipal de Constância e o Museu dos Rios e das Artes Marítimas são os dois serviços do município que vão dinamizar iniciativas comemorativas do Carnaval.
Na segunda-feira, 15 de Fevereiro, das 16h00 às 21h30, o Ginásio Municipal abre as portas aos mascarados, oferecendo-lhes um treino gratuito, o qual deverá ser marcado previamente. Para participar na actividade basta dar largas à imaginação, vestir o fato de carnaval e aparecer no ginásio. Só usufruem da iniciativa os participantes que estiverem mascarados.
O Entrudo no Museu dos Rios
Tendo como principal objectivo relembrar as tradições do Entrudo, preservando e valorizando esta época festiva, pagã e milenar, o Museu dos Rios e das Artes Marítimas convida os interessados na iniciativa, a aparecerem no Museu - mascarados como era tradição - a fim de participarem em algumas partidas e brincadeiras, pois como diz o povo no Carnaval ninguém leva a mal.
Recorde-se que nos tempos idos o Entrudo era uma data muito esperada e vivida de forma muito simples. Procuravam-se roupas e objectos velhos, algo que ocultasse o rosto e de seguida brincava-se e convivia-se de forma saudável e divertida. Estes usos e costumes são um património cultural já quase esquecido, de que apenas os mais velhos ainda se lembram. As tradições carnavalescas de hoje são muito diferentes das de antigamente, que eram mais espontâneas, mais genuínas e tinham uma raiz popular muito mais vincada.
Aberta ao público em geral, esta actividade vai decorrer no Jardim do Museu dos Rios e das Artes Marítimas, das 14h00 às 17h30.
Por CMC
O Meu Péssimo Carácter.
Mandar-lhe-ei o meu retrato. Quer? Mas até lá, e para prevenir a hipótese do meu rosto a enganar, vou descrever-lhe desde já o meu péssimo carácter: sou triste, imensamente triste, duma tristeza amarga e doentia que a mim própria me faz rir às vezes. É só disto que eu rio, e aqui tem já V. Ex.a no meu carácter uma sombra negra, enorme, medonha: a hipocrisia!... Porque eu pareço alegre e toda a gente gaba a minha... alegria! Estou já a vê-la, num gestozinho de enfado, amarrotar, irritada, a minha carta, com um vago sentimento de arrependimento por querer conhecer uma criatura assim tão mal dotada. Mas ainda este é o primeiro defeito; o segundo, e para o mundo virtuoso e prático é simplesmente horrível, é o sonhar, sonhar muito, olhar muito além, para longe de todos os que cantam, os que falam, os que riem!... Tenho dias em que todas as pessoas me dão a impressão de pequeninas figuras de papel sem expressão, sem vida. Estou falando a V. Ex.a com o coração nas mãos, com a franqueza com que não falo a ninguém. Até estou admirada de mim própria; mas não admira talvez este feitio pouco comunicativo, em vista de não ter conhecido ninguém culto e sincero e amigo a quem eu pudesse ter falado assim um dia. Mãe já a não tenho há muito; tenho 22 anos e não me recordo nem da cor dos seus cabelos; irmãs nunca tive, e amigas tenho as que toda a gente tem. Amigas... conhecidas, por outra, tenho muitas, principalmente nesse meio de luxo e opulência em que a principal felicidade consiste num chapéu ou num vestido da moda. Eu não as entendo, nem elas a mim me entendem, e eu não sei se serão elas ou eu a razão, neste mundo em que cada um vive para si. Eu sou refractária a todas as altas questões de elegância, e se um vestido ou um chapéu me encanta é apenas pela porção de arte que eles podem conter, e nada mais. Já vê V. Ex.a que, se esta maneira de sentir não é bem um defeito, é ao menos uma feição desagradável do meu carácter.
Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"
Hoje há circo
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
O Sucesso para um Grande Amor.
Estou contente porque a minha querida não tem ainda o afecto exclusivo e único que há-de sentir um dia por um homem, apesar de todas as suas teorias que há-de ver voar, voar para tão longe ainda!... E no entanto, elas são tão verdadeiras! Ainda assim, minha querida Júlia, uma das coisas melhores da nossa vida de tão prosaico século, é o amor, o grande e discutido amor, o nosso encanto e o nosso mistério; as nossas pétalas de rosa e a nossa coroa de espinhos. O amor único, doce e sentimental da nossa alma de portugueses, o amor de que fala Júlio Dantas, «uma ternura casta, uma ternura sã» de que «o peito que o sente é um sacrário estrelado», como diz Junqueiro; o amor que é a razão única da vida que se vive e da alma que se tem; a paixão delicada que dá beijos ao luar e alma a tudo, desde o olhar ao sorriso, — é ainda uma coisa nobre, bela e digna! Digna de si, do seu sentir, do seu grande coração, ao mesmo tempo violento e calmo. Esse amor que «em sendo triste, canta, e em sendo alegre, chora», esse amor há-de senti-lo um dia, e embora morto, perfumar-lhe-á a alma até à morte, num perfume de saudade que jamais o tempo levará!
No entanto, o casamento é brutal, como a posse é sempre brutal, sempre! O melhor beijo, o beijo mais doce, aquele que se não esquece nunca, é aquele que nunca se deu, disse-o um dia um poeta, e eu creio. Só para as mulheres, as tais mulheres mais animais que espirituais, é que o casamento não é a desilusão de sempre, — mas então nós? Se ganhamos um grande amigo, o que nós sofremos muitas vezes! A revolta de tudo quanto há de delicado em nós, e que se ofende e se indigna com as afrontas que são afinal uma grande lei da Natureza! E não há homem, por superior que seja, que compreenda esta revolta e que a desculpe! Em tudo eu penso exactamente o mesmo que a minha querida Júlia; não há nada, tanto para os homens como para a mulher, que valha a liberdade tanto alma como de pensamento. É o casamento um grilhão de flores e risos? De acordo, mas é sempre um grilhão. Ria, pois, e cante com a sua bela alegria, ame doidamente alguém, mas nunca abdique nem uma só das suas graças, nem uma só das suas ideias que lhe fazem vincar a fronte às vezes com uma pequenina ruga de capricho e insolência, que fica tão bem às mulheres bonitas; não ajoelhe nunca, porque está nisso o nosso grande mal, o nosso profundíssimo erro; nós invertemos muitas vezes os papéis, e em proveito deles, e depois as consequências são muitas vezes as paixões que devastam uma vida inteira por criaturas que se dignam dar, por último, como humilde mortalha, um olhar de compaixão! O melhor de todos os homens não vale um fanatismo, creia-me, e embora a nossa alma, com essa ânsia de amor, de ternura que canta sempre em nós, se lhes dedique completamente, que eles o não saibam nunca, que não suspeitem sequer!... Abdicando um grau da nossa realeza, teremos de descer sempre, sempre, até ao fim. Não é verdade isto?
Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"
Meu amor meu amor.
Meu amor meu amor
meu corpo em movimento
minha voz à procura
do seu próprio lamento.
Meu limão de amargura meu punhal a escrever
nós parámos o tempo não sabemos morrer
e nascemos nascemos
do nosso entristecer.
Meu amor meu amor
meu nó e sofrimento
minha mó de ternura
minha nau de tormento
este mar não tem cura este céu não tem ar
nós parámos o vento não sabemos nadar
e morremos morremos
devagar devagar.
José Carlos Ary dos Santos
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
A Única Coisa que Desculpa o Casamento é o Amor...
Na carta que lhe escrevi dava-lhe, como me tinha pedido, a minha opinião sobre o casamento. É a seguinte: acho o casamento uma coisa revoltante! E isto por uma única razão mas que para mim é tudo, para mim e para aquelas mulheres que não são apenas fêmeas, para todas as delicadas, para todas as que têm pudor, espírito e consciência. Essa razão é a posse, essa suprema e grande lei da Natureza que, no entanto, revolta tudo quanto eu tenho de delicado e bom no íntimo da minha alma. Ganha-se um amigo muitas vezes, é certo; um amigo que às vezes é o nosso supremo amparo, mas em compensação quantas revoltas, quantas mágoas, quantas desilusões! Quan¬tas!... A minha querida faz bem, faz muito bem em não se querer sujeitar ao mercado, à venda. Eu casei e casei por amor. É a única coisa que desculpa, no meu entender, o casamento, porque do contrário, quando nele apenas entram o interesse e a ambição, revolta-me e indigna-me.
Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"
Fui por aí...
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Procuro-te .
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.
Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"
Subscrever:
Mensagens (Atom)