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sábado, 1 de maio de 2010
Um Ofício que Fosse de Intensidade e Calma .

Um ofício que fosse de intensidade e calma
e de um fulgor feliz E que durasse
com a densidade ardente e contemporâneo
de quem está no elemento aceso e é a estatura
da água num corpo de alegria E que fosse fundo
o fervor de ser a metamorfose da matéria
que já não se separa da incessante busca
que se identifica com a concavidade originária
que nos faz andar e estar de pé
expostos sempre à única face do mundo
Que a palavra fosse sempre a travessia
de um espaço em que ela própria fosse aérea
do outro lado de nós e do outro lado de cá
tão idêntica a si que unisse o dizer e o ser
e já sem distância e não-distância nada a separasse
desse rosto que na travessia é o rosto do ar e de nós próprios
António Ramos Rosa, in "Poemas Inéditos"
sexta-feira, 30 de abril de 2010
Anda, Vem.

Anda, vem... por que te négas,
Carne morêna, toda perfume?
Por que te cálas,
Por que esmoreces
Boca vermêlha, - rosa de lume!
Se a luz do dia
Te cóbre de pêjo,
Esperemos a noite presos n'um beijo.
Dá-me o infinito goso
De contigo adormecer,
Devagarinho, sentindo
O arôma e o calôr
Da tua carne, - meu amôr!
E ouve, mancebo aládo,
Não entristeças, não penses,
- Sê contente,
Porque nem todo o prazer
Tem peccado...
Anda, vem... dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos;
Tenho Saudades da vida!
Tenho sêde dos teus beijos!
António Botto, in 'Canções'
O Rápido Passar do Tempo é Sinal de Inactividade.

O ócio torna lentas as horas e velozes os anos. A actividade torna rápida as horas e lentos os anos. A infância é a actividade máxima, porque ocupada em descobrir o mundo na sua diversidade.
Os anos tornam-se longos na recordação se, ao repensá-los, encontramos numerosos factos a desenvolver pela fantasia. Por isso, a infância parece longuíssima. Provavelmente, cada época da vida é multiplicada pelas sucessivas reflexões das que se lhe seguem: a mais curta é a velhice, porque nunca será repensada.
Cada coisa que nos aconteceu é uma riqueza inesgotável: todo o regresso a ela a aumenta e acresce, dota de relações e aprofunda. A infãncia não é apenas a infância vivida, mas a ideia que fazemos dela na juventude, na maturidade, etc. Por isso, parece a época mais importante, visto ser a mais enriquecida por considerações sucessivas.
Os anos são uma unidade da recordação; as horas e os dias, uma unidade da experiência.
Cesare Pavese, in 'O Ofício de Viver'
Literatura
A problemática do desenvolvimento local remete-nos para a evidência de que vivemos sempre num qualquer sítio.Mas desafia-nos,mais do que isso,a viver o sitio que habitamos.
Por isso mesmo,a viabilidade do nosso mundo rural passa por (muitas) linhas de acção que tornem esse mundo habitável e que nos devolvam a possibilidade de viver o sítio de forma positiva,humanamente criadora.
Recuperar a memória encantada dos lugares de que é feito esse nosso mundo,trazer á superfície esse imaginário que,de muitos modos,ainda se encontra activo,embora recalcado,refazer a densidade simbólica dos sítios,oferecer à criactividade algumas das raízes de que se pode alimentar,apresentar alguns traços do homem rural que nos procedeu e que de algum modo ainda coabita connosco,enfim,pesquisar e disponibilizar uma parte significativa da tradição oral do nosso mundo rural,foi o trabalho que assumiu para si,durante anos,a professora Isilda Jana.Tanto mais importante quanto é uma biblioteca que arde cada vez que as pessoas,ao morrerem,levam consigo o seu testemunho insubstituível.
(José Alves Jana.)
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Dia internacional da dança.

A DANÇA
Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.
.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.
.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo directamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
.
Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
Pablo Neruda
A Melancolia

A melancolia é sorna e estéril. Camões escreveu a sua epopeia nos dias da esperança. Quando a tristeza desanimadora o entrou, já não pôde escrever para o fidalgo, que lha pedia, uma paráfrase dos salmos.
Uma inteligência em quietismo não danifica os interesses materiais dum país, e até certo ponto pode considerar-se providencial o pousio; mas um cidadão analfabeto, embrutecido pela melancolia, se a sua qualidade civil é importante como deve ser, pode prejudicar gravemente os interesses da cidade.
Ainda bem que a melancolia raro se atreve a perturbar o funcionalismo intelectivo de certas cabeças, cuja organização é maravilha. Daí provém a traça metódica e auspiciosa com que o homem supinamente ignorante regula os seus negócios. Há nessa cabeça a perene claridade dum fundo de garrafa de cristal. As ideias impedem-lhe congeladas da abóbada craniana como as estalactites duma caverna. Dessa imobilidade imperturbável de cérebro resulta a fixidez da mira posta num alvo, a pertinácia das empresas e o conseguimento dos bons efeitos.
Ainda não vi tão cabal e logicamente explicado o fortunoso êxito de algumas riquezas granjeadas pela inépcia.
Não obstante, o número dos bastardos da fortuna é muito maior. O leitor é de certo um dos que tem em cada dia uma hora de enojo, de quebranto, de melancolia, de concentração dolorosa, de desapego à vida, de misantropia e de diálogo terrível com o fantasma da aniquilação.
Camilo Castelo Branco, in 'Coração, Cabeça e Estômago'
Saudade que dói...

Saudade
é estar distante
viver separado
chorar
viver amargurado...
Saudade
é nostalgia
tempos corroídos
desgastados
dia a dia...
Saudade
é viver do outro lado
á distância
lágrimas do passado...
Saudade
é um estado de alma
fragmentos de uma ruptura
tristeza profunda
amargura...
Saudade
é dor que dói
entranha-se
desgasta
corrói...
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Os Dois Horizontes

Dois horizontes fecham nossa vida:
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? – Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? – Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
Dois horizontes fecham nossa vida.
Machado de Assis, in 'Crisálidas'
terça-feira, 27 de abril de 2010
A Primitiva Infâmia

Desde que se cumpram certas cerimónias ou se respeitem certas fórmulas, consegue-se ser ladrão e escrupulosamente honesto - tudo ao mesmo tempo. A honradez deste homem assenta sobre uma primitiva infâmia. O interesse e a religião, a ganância e o escrúpulo, a honra e o interesse, podem viver na mesma casa, separados por tabiques. Agora é a vez da honra - agora é a vez do dinheiro - agora é a vez da religião. Tudo se acomoda, outras coisas heterogéneas se acomodam ainda. Com um bocado de jeito arranja-se-lhes sempre lugar nas almas bem formadas.
Raul Brandão, in "Húmus"
Penso,logo quero...
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Roxo de Lilás.
domingo, 25 de abril de 2010
"Esquecidos da história..."

Um bem haja para a guarnição do NRP Gago Coutinho (25 de Abril de 1974)
Integrada numa força NATO, a fragata rumava à saída da barra quando foi mandada retroceder, abandonando a formatura e colocando-se em frente ao Terreiro do Paço. Esta ordem veio do Estado-Maior da Armada;
O Imediato na asa da ponte de EB informa o Com.te do navio que a posição da Marinha para com o movimento é de neutralidade activa;
O Almirante Jaime Lopes dá ordem ao Com.te do navio para abrir fogo sobre os tanques do Exército posicionados no Terreiro do Paço;
O Com.te do navio não cumpre a ordem, alegando que estava muita gente no Terreiro do Paço e, também, que vários cacilheiros se encontravam nas proximidades;
O Com.te do navio recebe ordens para fazer fogo de salva;
O Com. .te do navio dá ordem ao Chefe do Serviço de Artilharia para fazer fogo de salva;
O C.S Artilharia recusa-se, chamando a atenção do Com.te do navio para o Imediato que tinha algo a dizer;
O Imediato reafirma a intenção dos oficiais se recusarem a abrir fogo mesmo de salva;
O Com.te do navio em crescente histeria, exonera do seu cargo o Imediato. Os oficiais a seguir convidados a assumirem o cargo recusaram;
Os oficiais mantêm-se disciplinadamente, a cumprir ordens do Com.te, excepto a de abrir fogo;
Pelas 13H20 o Com.te reúne-se com os oficiais na câmara. Em cima da mesa coloca uma pasta de arquivo verde, onde se pôde ver inscrita a palavra “Revolução”.
Após ter inquirido, um a um, todos os oficiais, começando pelo mais moderno, sobre se mantinham a sua posição de recusa de abrir fogo, o Com.te do navio considerou todos os oficiais insubordinados;
No final da reunião, que terminou antes da rendição do Presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, no Quartel do Carmo, o Com.te do navio realçou explicitamente a necessidade de cada um de nós não se esquecer da posição que tinha assumido, pois ele não se esqueceria.”
Quanto a mim, a coragem e determinação destes Homens que mesmo sabendo que correriam riscos, se recusaram a cumprir uma ordem que teria consequências imprevisíveis para o resultado do 25 de Abril, merece ser lembrada.
Fonte: Anais do Clube Militar Naval .
Anonimato
Conquista.

Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.
Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!
Miguel Torga, in 'Cântico do Homem'
sábado, 24 de abril de 2010
Liberdade .
— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.
— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Miguel Torga, in 'Diário XII'
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