Seguidores
domingo, 21 de setembro de 2008
Testamento.
Tendo chegado o tempo em que
a penumbra já não me consola mais
e reduzem meus presságios pequenos;
tendo chegado este tempo;
e como a borra do café
abre de repente agora para mim suas redondas bocas amargas;
tendo chegado este tempo;
e perdida já toda esperança de alguma merecida ascensão, de ver o mar sereno da sombra;
e não possuindo mais do que este tempo; não possuindo mais, enfim,
que minha memória das noites e sua vibrante delicadeza enorme;
não possuindo nada mais
entre céu e terra do que
minha memória, do que este tempo; decido fazer meu testamento.
É
este: deixo-lhes
o tempo, todo o tempo.
(De: Los días de tu vida, 1977)
Beijo.
sábado, 20 de setembro de 2008
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
Alumbramentos e perplexidades.
De tanto ver vencer a iniqüidade
de tanto perseverar
e triunfar a incompetência...
Mui alta e nobre jactância
tão rasteira e sobranceira militância
entre contrários e correligionários
viceja a corja de sicários!
Ratos e saúvas subterrâneos
roem e corroem
os alicerces de qualquer regime.
Gente assim posicionada
distribuindo vantagens
sem qualquer merecimento
alastrando-se como enfermidade
por herdades e sesmarias.
O Poeta baiano, horrorizado
vendo que gente alumbrada
de nascença
sendo na vida tão puta
vá na morte tão honrada
ou
de ver ir com honra, morta
quem nunca teve honra em vida.
Que vira nome de rua
busto em pedestal
exemplo de vida
em textos escolares.
De tanto ver o opróbrio
— palavra agora em desuso
mas na prática, resistente
de tanto assistir ao capadócio
— palavra fora de moda –
triunfar e ser exaltado
o Poeta Maldito
— sendo, como foi, um direito entre tortos –
amaldiçoa os seus mortos
uns néscios, que não dão nada
senão enfado infinito.
E confessa, submisso:
Em amanhecendo Deus
acordo, e dou de focinhos...
ouço cantar os passarinhos...
Mas caindo na real
afinal, acredita
que nem tudo anda assim
tão mal, e responde:
Sois um Mecenas da veia
deste poeta nefando
que aqui vos está esperando
com jantar, merenda, e ceia.
Que ninguém é de ferro
e saboreia.
Poema de Antonio Miranda
Ilustração de Humberto Espíndola*
Visão humorada do amor.
O amor não é algo que te faz sair do chão
e te transporta para lugares que nunca vistes.
O nome disso é avião.
O amor é outra coisa.
O amor não é uma coisa que escondes dentro de ti e não mostras para ninguém.
Isso se chama vibrador tailandês de três velocidades. O amor é outra coisa.
O amor não é uma coisa que te faz perder a respiração e a fala.
O nome disso é bronquite asmática. O amor é outra coisa.
O amor não é uma coisa que
chega de repente e te transforma em refém.
Isso se chama sequestrador.
O amor é outra coisa.
O amor não é uma coisa que voa
alto no céu e deixa sua marca
por onde passa.
Isso se chama pombo com caganeira.
O amor é outra coisa.
O amor não é uma coisa que tu
podes prender ou botar pra fora
de casa quando bem entender.
Isso se chama cachorro.
O amor é outra coisa.
O amor não é uma coisa que
lançou uma luz sobre ti,
te levou pra ver estrelas e te trouxe
de volta com algo dele dentro de ti.
Isso se chama alienígena.
O amor é outra coisa.
O amor não é uma coisa que desapareceu
e que, se encontrado,
poderia mudar o que esta diante de ti.
Isso se chama controle remoto de TV.
O amor é outra coisa."
"O amor é simplesmente... o amor."
O amor não se pode definir...
O amor não se pode definir; e talvez que esta seja a sua melhor definição. Sendo em nós limitado o modo de explicar, é infinito o modo de sentir; por isso nem tudo o que se sabe sentir, se sabe dizer: o gosto, e a dor, não se podem reduzir a palavras. O amor não só tem ocupado, e há-de ocupar o coração dos homens, mas também os seus discursos; porém por mais que a imaginação se esforce, tudo o que produzir a respeito do amor, são átomos. Os que amam não têm livre o espírito para dizerem o que sentem; e sempre acham que o que sentem é mais do que o que dizem; o mesmo amor entorpece a ideia e lhes serve de embaraço: os que não amam, mal podem discorrer sobre uma impressão, que ignoram; os que amaram são como a cinza fria, donde só se reconhece o efeito da chama, e não a sua natureza; ou também como o cometa, que depois de girar a esfera, sem deixar vestígio algum, desaparece.
Matias Aires, in 'Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens e Carta Sobre a Fortuna'
Vôo.
Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as
palavras voam.
E às vezes pousam.
(Cecília Meireles.)
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Idéias...
Gesto de amor.
Aquilo que de verdadeiramente significativo podemos dar a alguém é o que nunca demos a outra pessoa, porque nasceu e se inventou por obra do afecto. O gesto mais amoroso deixa de o ser se, mesmo bem sentido, representa a repetição de incontáveis gestos anteriores numa situação semelhante. O amor é a invenção de tudo, uma originalidade inesgotável. Fundamentalmente, uma inocência.
Fernando Namora, in 'Jornal sem Data'
Intimidade.
Quando, sorrindo, vais passando, e toda
Essa gente te mira cobiçosa,
És bela - e se te não comparo a rosa,
É que a rosa, bem vês, passou de moda…
Anda-me as vezes a cabeça a roda,
Atrás de ti também, flor caprichosa!
Nem pode haver, na multidão ruidosa,
Coisa mais linda, mais absurda e doida.
Mas é na intimidade e no segredo,
Quando tu coras e sorris a medo,
Que me apraz ver-te e que te adoro, flor!
E não te quero nunca tanto (ouve isto)
Como quando por ti, por mim, por Cristo,
Juras - mentindo - que me tens amor…
Antero de Quental.
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Ah! Querem uma luz.
Ah! querem uma luz melhor que a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas que vejo!
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.
Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol que o Sol,
O que quero é prados mais prados que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores que estas flores —
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!
Alberto Caeiro in Poemas Inconjuntos
terça-feira, 16 de setembro de 2008
Subscrever:
Mensagens (Atom)