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domingo, 4 de janeiro de 2009

Coroemo-nos Pois uns para os Outros




Tuas, não minhas, teço estas grinaldas,
Que em minha fronte renovadas ponho.
Para mim tece as tuas,
Que as minhas eu não vejo.
Se não pesar na vida melhor gozo
Que o vermo-nos, vejamo-nos, e, vendo,
Surdos conciliemos
O insubsistente surdo.
Coroemo-nos pois uns para os outros,
E brindemos uníssonos à sorte
Que houver, até que chegue
A hora do barqueiro.

Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Esperança.

Amizade!


A amizade sem confiança é uma flor sem perfume.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Mário Sá Carneiro.


Como Eu não Possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da côr que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...

* * * * *

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emmaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos d'harmonia e côr!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases dourados,
Se fôsse aquêles seios transtornados,
Se fôsse aquêle sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destrôço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.


in 'Dispersão'

Pensamento á solta.


Vai sendo o que sejas até seres o que és, que é Deus sendo; e, cuidado, não te percas enquanto vais sendo .


Agostinho da Silva.

Natal dos simples.



Zeca Afonso.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Cantiga de amor.



Rádio Macau.

Imaginação.


Por vezes o entendimento descontrai-se, para que a esperança se divirta, com o que a imaginação sonha .

A sopa dos pobres.



À mesa
O que resta
São côdeas
Do resto
-
Côdeas
De fome
Sem um
Protesto
-
Alguns
Engolem
O pão
E a fome

-
Outros
Ignoram
A ira
Que sobe
-
Por aí
Calada
A dor
E a raiva
-
Nos olhos
Calada
Essa dor
Esmaga
-
Talvez
Notícia
A morte
No esgoto
-
Se for
Macabra
A foto
Do morto
-
Apenas
Um número
Há-de
Restar
-
Passou
Por aqui
Vagou
O lugar
-
(Poema de António Manuel Ribeiro)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Desejo.

Novinho em folha.




Este é um ano novinho em folha,por favor não comecem já a estragá-lo!

Pink Floyd.



Comfortable Numb.

O ano passado.



O ano passado não passou,
continua incessantemente.
Em vão marco novos encontros.
Todos são encontros passados.

As ruas, sempre do ano passado,
e as pessoas, também as mesmas,
com iguais gestos e falas.
O céu tem exatamente
sabidos tons de amanhecer,
de sol pleno, de descambar
como no repetidíssimo ano passado.

Embora sepultos, os mortos do ano passado
sepultam-se todos os dias.
Escuto os medos, conto as libélulas,
mastigo o pão do ano passado.

E será sempre assim daqui por diante.
Não consigo evacuar
o ano passado.



Carlos Drummond de Andrade .

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

2008-2009.

Dizer adeus é dar boas vindas ao recomeço.



Para todos ,um final feliz e um ano novo cheio de amor ,paz e felecidade.

Angie-The Rolingg Stones.

Ao tempo .





Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,
Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida


A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando


Tempo, vais para diante ou para trás?

(Dante Milano)

Boas Festas.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

31 de Dezembro de 1968




40º aniversário.

Sociedade.


O Mirante - diário online - Jovem de Constância premiado pela IBM em Bruxelas

Tempo de silêncio.






Era o tempo do silêncio.
Com toda a paciência
a hora amadureceu
a ausência dos pássaros
a serenidade das árvores.
Crianças desataram
os nós dos ventos.
Crisântemos choraram
sob as crinas do tempo.
Era a hora da despedida.
Com todo o cuidado
ele acariciou-lhe o rosto
beijou-lhe os olhos.
Ele a abraçou
como quem acalanta
nos braços
um recém-nascido.
Era o tempo do ocaso.
Namorados colheram
os sorrisos da tarde.
Frutos tombaram
sobre as lágrimas da terra.
Era a hora do amadurecimento.
Com toda a ternura
ele desprendeu-se
daqueles cabelos de jasmim
desatou-se
daquele corpo de orvalho.
Ele despediu-se
de sua própria face
disse adeus ao próprio nome
e desnudo de si mesmo
afastou-se em direção ao outono
perdeu-se na amplidão
sem sequer voltar-lhe o rosto.
Era o tempo do silêncio.


(Alexandre Bonafim)