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terça-feira, 10 de março de 2009

Noites.


" Há quem diga que todas as noites são sonhos.
Mas há também quem diga nem todas, só as de verão
Mas no fundo isso nao tem muita importância.
O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos"

William Shakespeare.

O açougueiro






Era dia de faxina na casa de Zulmira quando o toque insistente do telefone a fez descer do alto da escada onde limpava uma prateleira.

— Desculpe-me a ousadia... — foi o que logo ouviu de uma voz galante. — Há tempos venho ensaiando para te ligar...

O coração começa a bater descompassado. Quem diria? Alguém a notara por aí! E pensar que o marido nem chegou a perceber que pintara o cabelo de vermelho...

— Eu quero marcar um encontro com você...

Ao ouvir a proposta, Zulmira enrubesceu. O coração parecia querer pular fora de seu peito. E agora? O que dizer?

— E então? — insistiu a voz.

— Eu... eu... não posso... — gaguejou. Quem seria este homem? Aquele vizinho novo que vivia às voltas com um poodle? Não! Ele parecia ter um jeito meio afetado. Deus meu!, seria o Odorico? O açougueiro? Bem que percebera que ultimamente ele sempre lhe escolhia a melhor peça...

— Eu sei que você é uma mulher casada... eu entendo... mas é apenas um encontro...

— Não, eu não posso! — repetiu com firmeza. Afinal de contas tinha lá os seus princípios, e ainda por cima dois filhos adolescentes. E se fosse mesmo o Odorico? Ah! O Odorico sim valia a pena. Um homem que mexia com a carne daquele jeito, o que é que não faria com uma mulher?

— Ninguém ficará sabendo... eu prometo! — continuou ele, persuasivo. – E tenho certeza que será uma noite inesquecível... Começaremos com um jantar à beira-mar... Depois iremos navegar durante a madrugada...

Zulmira deixava-se levar pela imaginação quando foi surpreendida por uma pergunta:

— Você gosta de ostras?

— Ostras? — repetiu, sem saber o que responder. Nunca comera ostras em toda sua vida, mas lera numa revista da cabeleireira que ostras eram afrodisíacas.

— Se você não gosta eu...

— Não! Imagine... gosto sim! — exclamou.

— Eu posso esperá-la amanhã à noite? — perguntou–lhe o homem. — Estou bastante ansioso para encontrá-la.

E agora? Deixaria a vida passar sem lutar por algumas boas lembranças? Este pensamento fora suficiente para convencê-la.

— Sim! — respondeu decidida. — Onde podemos nos encontrar?

— Faz o seguinte Telma: às 8:30 você me liga...

— Ei! Peraí! Meu nome não é Telma!

— Não?!! — exclamou o homem, aturdido.

— Não! — confirmou Zulmira, com a voz zangada.

— Mil perdões! — disse ele e desligou envergonhado num baque rápido.

E sem mais nada por esperar daquela tarde, Zulmira continuou a espanar a prateleira, pensando, de quando em quando, num longo suspiro, que a vida é assim mesmo.

Adriana Costalunga.

Presságio.





O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Medo da Própria Alma.



Se Deus não existe... O pior de tudo é que eu digo e afirmo - Deus não existe! - mas na realidade não sei se Deus existe ou não. Não há nada que o prove - ou que prove o contrário. O pior de tudo é que eu sinto uma sombra por trás de mim e não sei por que nome lhe hei-de chamar. O pior que podia acontecer no mundo foi alguém pôr esta ideia a caminho.
Mas mesmo que Deus não exista, tenho medo de mim mesmo, tenho medo da minha alma, tenho medo de me encontrar sós a sós com a minha alma, que é nada, o fim e o princípio da vida e a razão do meu ser. Mesmo que Deus não exista e a consciência seja uma palavra, há ainda outra coisa indefinida e imensa diante de mim, ao pé de mim, perto de mim.

Raul Brandão, in "Húmus"

Desejos Vãos .




Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz imensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até a morte!

Mas o Mar também chora de tristeza ...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras ... essas ... pisa-as toda a gente! ...

Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"

Literatura


Sinopse
Em 1368, D. Leonor Teles de Menezes, a mulher mais desejada do Reino, casa com o morgado de Pombeiro, D. João Lourenço da Cunha. O matrimónio é imposto por seu tio, D. João Afonso Telo, conde de Barcelos. Mulher fora do tempo, aceita contrariada o casamento, que a melancolia da vida do campo não ajuda a ultrapassar. Por isso, decide abandonar o marido e parte para Lisboa, para gozar a vida de riqueza e luxúria que a Corte proporciona. Perversa e ambiciosa, não tem dificuldade em seduzir o jovem monarca, D. Fernando, alcançando, desse modo, o poder que sempre desejou. Mas a nobreza, o clero e o povo não veêm com bons olhos esta aliança de adultério com o Rei. E menos ainda quando a formosa Leonor Teles se envolve com o conde Andeiro... "Rosa Brava" é um romance baseado na investigação histórica que, por entre intrigas palacianas, traições, assassínios e guerras com Castela, reinventa, numa linguagem cativante, uma das personagens mais fascinantes da História de Portugal.


Rosa Brava de José Manuel Saraiva

domingo, 8 de março de 2009

Espelho meu ...


As mulheres, durante séculos, serviram de espelho aos homens por possuírem o poder mágico e delicioso de reflectirem uma imagem do homem duas vezes maior que o natural
Virginia Woolf.

Da chegada do amor.



Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.

Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.

Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.

Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que sua estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis um amor que amasse.


Elisa Lucinda

Mulheres .



Não me bastam os cinco sentidos para perceber-lhes toda a beleza. Não me bastam os cinco sentidos para viver com totalidade o mistério profundo que elas trazem consigo. Eu tenho é que tocá-las, cheirá-las, acariciá-las, penetrar-lhes o sorriso, sentir o seu perfume, beijar-lhes o céu da boca, ouvir suas histórias, transformá-las em deusas. Tenho que dar-lhes o amor que o meu corpo conduz e sustenta-me a alma. O belo amor natural de todos os corpos e almas e coisas do mundo. Como espelho de paixões em labareda, tenho que sentir nos seus olhos um raro brilho diamante.

Eu as respeito e as venero, com a graça de um cisne satisfeito nadando num lago tranqüilo e a ousadia de um touro selvagem recém-despertado. Não lhes faço perguntas, não as pressiono por nada, não quero mudá-las jamais. Sempre imagino o que possam sonhar, e procuro suavemente entrar no sonho delas. Cavalgo o vento para visitar-lhes as razões, as emoções, as loucuras. E como um deus escandaloso e surpreso por sua própria criatura, eu entro então no coração de cada uma delas, deliciosamente, como se entrasse numa pulsante catedral. Mergulho na essência dos seus desejos e cada vez me espanto mais com tanta fantasia, com tanta formosura. Os cinco sentidos, por não serem precisos, ainda não bastam, e eu preciso mais do que isso para compreendê-las.

Toda mulher é silenciosa por dentro. A existência pura se manifesta em cada detalhe. Assim na terra como no céu, amar as mulheres é uma experiência religiosa. E eu as amo, fina substância, como deve amar quem ama de verdade -- incondicionalmente. Sem ciúmes. Eu amo as morenas, as loiras, as baixinhas, as altas, as lindas, as quase feias. Amo as virtuosas, as magras, as gordinhas, as diabólicas, as tímidas, e até as mentirosas. As iluminadas, as pecadoras, e as santíssimas. Amo as virgens, as pobres, as ricas, as loucas, as muito vivas, as inocentes. As bronzeadas pelo sol, e as branquinhas. As inteligentes, e as nem tanto. Desde que sensíveis, eu amo as jovens, as velhas, as solteiras, as casadas, as separadas. As bem-amadas, e as abandonadas. As livres, e as indecisas. E se me dessem o poder, o tempo, e, principalmente, a chance, eu a todas elas daria, todos os dias, um orgasmo cósmico e sublime. Poeticamente.

Apanharia flores silvestres, tomaria sol com todas elas. Andaríamos descalços na areia, contemplaríamos crepúsculos cor de abóbora, jantaríamos à luz de velas, dançaríamos, tomaríamos vinho branco, olharíamos as estrelas. E eu lhes faria poesias de amor. Puro como um anjo, amaria cada uma delas eternamente — uma por vez. Com delicadeza, com doçura, com profundidade, com inocência. Entusiasmado, como se cada uma fosse a única. Como se no mundo inteiro não houvesse mais nada, nem ninguém.

Todas as noites, passaria cremes e encantos no seu corpo. Falaria sobre fábulas, contaria histórias românticas, as veria dormir. Ao som de Vangelis, velaria por um tempo o sono delas, e de madrugada, antes do sol raiar, antes do primeiro pássaro cantar, as cobriria com o resto de luar que ainda houvesse, e sairia em silêncio. Como um felino lógico, sensual e saciado, deslizaria pelo cetim azul-celeste dos lençóis, saltaria por sobre todas as metáforas -- e sorrindo iria embora.

Enfim, se fosse Deus, eu com certeza não mais cuidaria do universo e dessas coisinhas banais. Não iria ficar controlando o destino das pessoas, o tempo, a pressa, os compromissos, as horas, o caminho dos planetas, a economia, o cotidiano, o infinito, a Internet, a geografia... Não!

Eu somente iria amar as mulheres, como elas merecem. E como nunca foram amadas.

Só isso, definitivamente. Nada mais, nada mais!


Edson Marques

sábado, 7 de março de 2009

Linda.

Pandora .




De repente,
o corpo da mulher fulgura,
pupila de deus,
punhal ou bico,
sede que chama.
Pára em mim e deslumbra
— nula possibilidade
da lucidez.

Orlando Neves, in "Lamentação em Cáucaso"

Mulher.


A mulher deve ser lentamente decifrada, como o enigma que é: encanto a encanto.

sexta-feira, 6 de março de 2009

O homem!


O homem é um animal sociável que detesta os seus semelhantes ...

Do que Nada se Sabe.




A lua ignora que é tranquila e clara
E não pode sequer saber que é lua;
A areia, que é a areia. Não há uma
Coisa que saiba que sua forma é rara.
As peças de marfim são tão alheias
Ao abstracto xadrez como essa mão
Que as rege. Talvez o destino humano,
Breve alegria e longas odisseias,
Seja instrumento de Outro. Ignoramos;
Dar-lhe o nome de Deus não nos conforta.
Em vão também o medo, a angústia, a absorta
E truncada oração que iniciamos.
Que arco terá então lançado a seta
Que eu sou? Que cume pode ser a meta?

Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda

Exercício Canoa 2009.




Amanhã, sábado, dia 7 de Março, vai decorrer o exercício Canoa 2009, o qual se realizará, entre outros locais, em Constância.

Organizado pela Autoridade Nacional de Protecção Civil, através do Comando Distrital de Operações de Socorro de Santarém, o exercício Canoa 2009 tem como principal objectivo treinar a capacidade de resposta dos Agentes de Protecção Civil do distrito de Santarém, baseando-se nos princípios do Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro, em situação de Cheias na Bacia Hidrográfica do Rio Tejo.

O exercício Canoa 2009 realizar-se-á no rio Tejo, entre o açude de Abrantes e a Quinta da Cardiga, no concelho da Golegã.

Em Constância decorrerão dois cenários: um às 11.00h, na Ponte de Ferro sobre o Zêzere, e outro às 11.30h, no Cais do Tejo.

Chama-se a atenção da população, para que as pessoas não se assustem com o movimento de viaturas, de Bombeiros, da Guarda Nacional Republicana e de outros elementos da Protecção Civil, pois aquilo que acontecerá amanhã será um exercício entre Agentes de Protecção Civil do nosso distrito.

Por CMC

quinta-feira, 5 de março de 2009

Vento.


Galante conquistador, dispersando o pólen das flores, o vento faz uma boda universal .

Meu cantinho á beira mar plantado...


Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Fernando Pessoa

Literatura.


Para além do portão.
A GNR e o Carmo na revolução de Abril.
Autor: Nuno Andrade.

Os momentos mais marcantes e tensos da revolução de 25 de Abril de 1974 viveram-se no Largo do Carmo, tendo como epicentro o quartel que desde 1845 funciona como Comando da Guarda Nacional Republicana e das guardas suas antecessoras. Se, por um lado, se encontra bastante documentado o papel dos militares do Movimento das Forças Armadas e da população que ajudou à vitória da liberdade, por outro, é muito escassa a documentação relativa ao papel dos militares da GNR na Revolução e as informações sobre as últimas 14 horas do derradeiro chefe de governo do antigo regime no interior do Quartel do Carmo.

quarta-feira, 4 de março de 2009

A desordem da minha natureza.


A Desordem da Minha Natureza
(...) enfrentei pela primeira vez o meu ser natural enquanto decorriam os meus noventa anos. Descobri que a minha obsessão de que cada coisa estivesse no seu lugar, cada assunto no seu tempo, cada palavra no seu estilo, não era o prémio merecido de uma mente ordenada mas, pelo contrário, um sistema completo de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, mas como reacção contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir a minha mesquinhez, que passo por prudente por ser pessimista, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que não se saiba que pouco me importa o tempo alheio. Descobri, por fim, que o amor não é um estado de alma mas um signo do Zodíaco.

Gabriel García Marquez, in 'Memória das Minhas Putas Tristes'

Como eu não possuo .




Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da côr que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...

* * * * *

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emmaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos d'harmonia e côr!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases dourados,
Se fôsse aquêles seios transtornados,
Se fôsse aquêle sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destrôço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.

Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'