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terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Que Há para Lá do Sonhar?
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Alma fria.
domingo, 20 de dezembro de 2009
Passei o Dia Ouvindo o que o Mar Dizia .
Eu ontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.
Chorámos, rimos, cantámos.
Falou-me do seu destino,
Do seu fado...
Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, bailando e rindo,
Pôs-se a cantar
Um canto molhado e lindo.
O seu hálito perfuma,
E o seu perfume faz mal!
Deserto de águas sem fim.
Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...
Ele afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste,
Mais doente, mais cansado...
Ao longe o Sol na agonia
De roxo as águas tingia.
«Voz do mar, mesteriosa;
Voz do amor e da verdade!
- Ó voz moribunda e doce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte...
E os poetas a cantar
São ecos da voz do mar!
António Botto, in 'Canções'
sábado, 19 de dezembro de 2009
A Poesia.
A poesia não se inventou para cantar o amor — que de resto não existia ainda quando os primeiros homens cantaram. Ela nasceu com a necessidade de celebrar magnificamente os deuses, e de conservar na memória, pela sedução do ritmo, as leis da tribo. A adoração ou captação da divindade e a estabilidade social, eram então os dois altos e únicos cuidados humanos: — e a poesia tendeu sempre, e tenderá constantemente a resumir, nos conceitos mais puros, mais belos e mais concisos, as ideias que estão interessando e conduzindo os homens. Se a grande preocupação do nosso tempo fosse o amor — ainda admitiríamos que se arquivasse, por meio das artes da imprensa, cada suspiro de cada Francesca. Mas o amor é um sentimento extremamente raro entre as raças velhas e enfraquecidas. Os Romeus, as Julietas (para citar só este casal clássico) já não se repetem nem são quase possíveis nas nossas democracias, saturadas de cultura, torturadas pela ansia do bem-estar, cépticas, portanto egoístas, e movidas pelo vapor e pela electricidade. Mesmo nos crimes de amor, em que parece reviver, com a sua força primitiva e dominante, a paixão das raças novas, se descobrem logo factores lamentavelmente alheios ao amor, sendo os dois principais aqueles que mais caracterizam o nosso tempo: o interesse e a vaidade. Nestas condições, o amor que voltou a ser, como na Grécia, um Cupido pequenino e brincalhão, que esvoaça, surripiando aqui e além um prazer fugitivo — é removido para entre os cuidados subalternos do homem, muito para baixo do dinheiro, muito para baixo da política... É uma ocupação, sem malícia o digo, que se deixa para quando acabar o dia verdadeiro e útil, e com ele os negócios, as ideias, os interesses que prendem. «Já não há hoje nada de produtivo a fazer? Já não há nada de sério em que pensar?... Bem! Então, um pouco de perfume nas mãos, e abra-se a porta ao amor que espera!» A isto está reduzida a Vénus fatal e vencedora!
Ora quando uma arte teima em exprimir unicamente um sentimento que se tornou secundário nas preocupações do homem — ela própria se torna secundária, pouco atendida e perde a pouco e pouco a simpatia das inteligências. Por isso hoje, tão tenazmente, os editores se recusam a editar, e os leitores se recusam a ler, versos em que só se cante de amor e de rosas. E o artista que não quer ser uma voz clamando no deserto e um papel apodrecendo no armazém, começa a evitar o amor como tema essencial da sua obra.
Eça de Queirós, in 'A Correspondência de Fradique Mendes'
Mensagem de Natal
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Dança.
Aparição .
Um dia, meu amor (e talvez cedo,
Que já sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo...
Então, da casta alcova no segredo,
Da lamparina ao trémulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vão,
Larva fugida ao sepulcral degredo...
E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos...
— «Ouve! espera!» — Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!
Antero de Quental, in "Sonetos"
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
A Nossa Vitória de cada Dia
Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceite o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gaffe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingénuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
Clarice Lispector, in 'Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres'
A neve cai...
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Paciência, um Sofrimento Voluntário
Tu és, ó Paciência, um sofrimento
Voluntário, fiel, bem ordenado,
Da conhecida sem razão tirado,
De um constante varão nobre ornamento.
Tu, recolhendo n'alma o pensamento,
Suportas com valor o Tempo irado.
Tu sustentas, com ânimo esforçado,
Todo o peso do mal, no bem atento.
Magnânima tu és, tu és Constância,
Cedro que não derruba a tempestade,
Rocha, onde a fúria quebra o mar com ânsia.
Tu triunfas da mesma Adversidade.
Subjugando as paixões co'a Tolerância,
Tu vences os ardis da vil Maldade.
Francisco Joaquim Bingre, in 'Sonetos'
A Boa Disposição
A boa disposição é o grande lubrificante da roda da vida. Torna o trabalho mais leve, reduz as dificuldades e mitiga os infortúnios. A boa disposição dá um poder criador que os pessimistas não conseguem ter. Uma disposição alegre, esparançosa e optimista torna a vida mais suave, alivia a sua inevitável monotonia e amortece os solavancos da estrada da vida.
Alfred Montapert, in 'A Suprema Filosofia do Homem'
Desenquadrado.
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