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quinta-feira, 23 de julho de 2009
Diário duma Mulher.
Meu rosto já tem vincos de cansaço.
Murcharam como as rosas minhas faces.
Já não posso estreitar-te num abraço,
sem temer, meu Amor, que não me abraces!
O luar nos meus olhos fez-se baço.
Meus lábios, se algum dia tu beijasses!...
Meu passado, porém, morreu no espaço,
qual nuvem que em chuvisco transformasses!
O futuro não tem de que viver.
O amor — raízes mortas que não nascem —,
os sonhos, estão como se embarcassem
num cruzeiro de calma, sem saber
que o é... Mas essa calma hoje é sinónimo
de um sentimento misterioso, anónimo...
Isabel Gouveia, in "Atrás do Tempo" em>
quarta-feira, 22 de julho de 2009
À Espera do Amado
Disse-me baixinho:
— Meu amor, olha-me nos olhos.
Ralhei-lhe, duramente, e disse-lhe:
— Vai-te embora.
Mas ele não foi.
Chegou ao pé de mim e agarrou-me as mãos...
Eu disse-lhe:
— Deixa-me.
Mas ele não deixou.
Encostou a cara ao meu ouvido.
Afastei-me um pouco,
fiquei a olhá-lo e disse-lhe:
— Não tens vergonha? Nem se moveu.
Os seus lábios roçaram a minha face.
Estremeci e disse-lhe:
— Como te atreves?
Mas ele não se envergonhou.
Prendeu-me uma flor no cabelo.
Eu disse-lhe:
— É inútil.
Mas ele não fez caso.
Tirou-me a grinalda do pescoço
e abalou.
Continuo a chorar,
e pergunto ao meu coração:
Porque é que ele não volta?
Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"
terça-feira, 21 de julho de 2009
A de Sempre, Toda Ela .
Se eu vos disser: «tudo abandonei»
É porque ela não é a do meu corpo,
Eu nunca me gabei,
Não é verdade
E a bruma de fundo em que me movo
Não sabe nunca se eu passei.
O leque da sua boca, o reflexo dos seus olhos
Sou eu o único a falar deles,
O único a ser cingido
Por esse espelho tão nulo em que o ar circula
[através de mim
E o ar tem um rosto, um rosto amado,
Um rosto amante, o teu rosto,
A ti que não tens nome e que os outros ignoram,
O mar diz-te: sobre mim, o céu diz-te: sobre mim,
Os astros adivinham-te, as nuvens imaginam-te
E o sangue espalhado nos melhores momentos,
O sangue da generosidade
Transporta-te com delícias.
Canto a grande alegria de te cantar,
A grande alegria de te ter ou te não ter,
A candura de te esperar, a inocência de te
[conhecer,
Ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e
[a ignorância,
Que suprimes a ausência e que me pões no mundo,
Eu canto por cantar, amo-te para cantar
O mistério em que o amor me cria e se liberta.
Tu és pura, tu és ainda mais pura do que eu
[próprio.
Paul Eluard, in "Algumas das Palavras
Abrangência Literária .
Lembremo-nos que a literatura, porque se dirige ao coração, à inteligência, à imaginação e até aos sentidos, toma o homem por todos os lados; toca por isso em todos os interesses, todas as ideias, todos os sentimentos; influi no indivíduo como na sociedade, na família como na praça pública; dispõe os espíritos; determina certas correntes de opinião; combate ou abre caminho a certas tendências; e não é muito dizer que é ela quem prepara o berço aonde se há-de receber esse misterioso filho do tempo - o futuro.
Antero de Quental, in 'Prosas da Época de Coimbra'
segunda-feira, 20 de julho de 2009
O Amor e o Tempo .
Pela montanha alcantilada
Todos quatro em alegre companhia,
O Amor, o Tempo, a minha Amada
E eu subíamos um dia.
Da minha Amada no gentil semblante
Já se viam indícios de cansaço;
O Amor passava-nos adiante
E o Tempo acelerava o passo.
— «Amor! Amor! mais devagar!
Não corras tanto assim, que tão ligeira
Não pode com certeza caminhar
A minha doce companheira!»
Súbito, o Amor e o Tempo, combinados,
Abrem as asas trémulas ao vento...
— «Porque voais assim tão apressados?
Onde vos dirigis?» — Nesse momento,
Volta-se o Amor e diz com azedume:
— «Tende paciência, amigos meus!
Eu sempre tive este costume
De fugir com o Tempo... Adeus! Adeus!
António Feijó, in 'Sol de Inverno' O Amor e o Tempo
Rosto.
domingo, 19 de julho de 2009
Procurar!
Poesia
é a visita do tempo nos teus olhos,
é o beijo do mundo nas palavras
por onde passa o rio do teu nome;
é a secreta distância em que tocas
o princípio leve dos meus versos;
é o amor debruçado no silêncio
que te cerca e que te esconde:
como num bosque, lento, ouvimos
o coração de uma fonte não sei onde...
Vítor Matos e Sá, in 'Esparsos'
sábado, 18 de julho de 2009
Subjectividades
Pintura de Luís de Sá no Posto de Turismo de Constância - Subjectividades
De 18 de Julho a 2 de Agosto a sala de exposições do Posto de Turismo de Constância tem patente ao público uma exposição de pintura denominada Subjectividades, da autoria de Luís de Sá.
A mostra tem a sua inauguração marcada para o próximo sábado, dia 18 de Julho, pelas 16.00H.
Subjectividades é uma mostra de pintura em que a pincelada subjectiva predomina nos quadros, não dando quase importância aos pormenores nem ao mundo objectivo, mas sim ao conjunto e ao pensamento.
Utilizando como ferramenta a interpretação, onde se pode ampliar, diminuir e suprimir tanto na cor como no desenho, é uma pintura que está entre o impressionismo e o expressionismo. Impressionismo porque alguns destes quadros foram realizados directamente em contacto com o motivo dando relevância aos efeitos cambiantes da luz e apoiando-se na teoria da cor. Expressionismo porque é uma pintura, instintiva, dramática e subjectiva utilizando por vezes cores irreais com dinamismo, improvisado, abrupto e inesperado.
Nesta exposição onde se encontram paisagens, desenhos marítimos e retratos é possível apreciar várias técnicas como pintura a óleo, pintura em acrílico, aguarela e desenhos a carvão.
Subjectividades tem as suas portas abertas nos dias úteis das 9.30H às 13.00H e das 14.30H às 17.30H, e nos sábados e domingos das 14.30H às 18.00H.
Por CMC
Janela do Sonho .
Abri as janelas
que havia dentro de ti
e entrei abandonado
nos teus braços generosos.
Senti dentro de mim
o tempo a criar silêncio
para te beber altiva e plena.
Mil vezes
repeti teu nome,
mil vezes,
de forma aveludada
e era a chave
que se expunha
e fecundava dentro de mim.
Já não se sonha,
deixei de sonhar,
o sonho é poeira dos tempos
é a voz da extensão
é a voz da pureza
que dardejava na nossa doçura.
Quando abri as tuas janelas
e despi teus braços
perdi a vaidade
e a pressa,
amei a partida
e em silêncio abri,
(sem saber que abria)
uma noite húmida
em combustão secreta
desmaiado no teu ombro
de afrodite.
Carlos Melo Santos, in "Lavra de Amor"
sexta-feira, 17 de julho de 2009
O Erotismo .
Os homens mais novos não entendem o... como é que vocês dizem?... o erotismo. Até aos quarenta, caímos sempre no mesmo erro, não sabemos libertar-nos do amor: um homem que, em vez de pensar numa mulher como complemento de um sexo, pensa no sexo como complemento de uma mulher, está pronto para o amor: tanto pior para ele.
André Malraux, in 'A Estrada Real'
Homem Inacabado
Todas as árvores com todos os ramos com todas
[as folhas
A erva na base dos rochedos e as casas
[amontoadas
Ao longe o mar que os teus olhos banham
Estas imagens de um dia e outro dia
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
A transparência dos transeuntes nas ruas do acaso
E as mulheres exaladas pelas tuas pesquisas
[obstinadas
As tuas ideias fixas no coração de chumbo nos
[lábios virgens
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
A semelhança dos olhares consentidos com os
[olhares conquistados
A confusão dos corpos das fadigas dos ardores
A imitação das palavras das atitudes das ideias
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
O amor é o homem inacabado.
Paul Eluard, in "Algumas das Palavras"
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