Seguidores

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Fim de semana.


"O fim de semana não existe, sem que os dias úteis tenham existido."

Let it be



The Beatles

Eu Nunca Guardei Rebanhos.




Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que
se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema I"
Heterónimo de Fernando Pessoa

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A Luta pela Recordação




Os meus pensamentos foram-se afastando de mim, mas, chegado a um caminho acolhedor, repilo os tumultuosos pesares e detenho-me, de olhos fechados, enervado num aroma de afastamento que eu próprio fui conservando, na minha pequena luta contra a vida. Só vivi ontem. Ele tem agora essa nudez à espera do que deseja, selo provisório que nos vai envelhecendo sem amor.
Ontem é uma árvore de longas ramagens, e estou estendido à sua sombra, recordando.
De súbito, contemplo, surpreendido, longas caravanas de caminhantes que, chegados como eu a este caminho, com os olhos adormecidos na recordação, entoam canções e recordam. E algo me diz que mudaram para se deter, que falaram para se calar, que abriram os olhos atónitos ante a festa das estrelas para os fechar e recordar...
Estendido neste novo caminho, com os olhos ávidos florescidos de afastamento, procuro em vão interceptar o rio do tempo que tremula sobre as minhas atitudes. Mas a água que consigo recolher fica aprisionada nos tanques ocultos do meu coração em que amanhã terão de se submergir as minhas velhas mãos solitárias...


Pablo Neruda

Pequenas coisas.


As pequenas coisas parecem insignificantes, mas dão-nos a paz .

Como eu não possuo .




Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da côr que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...

* * * * *

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emmaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos d'harmonia e côr!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases dourados,
Se fôsse aquêles seios transtornados,
Se fôsse aquêle sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destrôço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.

Mário de Sá-Carneiro,

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Dia Mundial do Coração .


Dia Mundial do Coração em Constância - 27 de Setembro


Trabalhe com o coração.
No próximo domingo, 27 de Setembro, Constância vai promover várias caminhadas comemorativas do Dia Mundial do Coração, as quais decorrerão entre as 10 e 12 horas, e terão início na Casa do Povo de Montalvo, no Museu dos Rios e das Artes Marítimas em Constância e no Parque Ambiental de Santa Margarida.

A caminhada em Constância é uma iniciativa conjunta comemorativa das Jornadas Europeias do Património e do Dia Mundial do Coração, que pretendem reforçar a importância da realização de actividades físicas e desportivas para uma vida mais activa e saudável podendo ao mesmo tempo conhecer o património natural e histórico da vila de Constância, através de um passeio pelas ruas e rio Tejo.

O Dia Mundial do Coração que este ano tem como tema Trabalhe com o Coração é uma iniciativa promovida pela World Heart Federation, sob coordenação em Portugal da Fundação Portuguesa de Cardiologia e tem como principal objectivo reforçar a importância da realização de actividades físicas e desportivas e de um estilo de vida activo para um melhor coração e uma vida mais saudável.

No Dia Mundial do Coração, a Fundação Portuguesa de Cardiologia, em parceria com o Instituto do Desporto de Portugal, e com a colaboração da Direcção Geral da Saúde, do Instituto Português da Juventude, da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, da Federação de Ginástica de Portugal, do Instituto Nacional para Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores e da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, pretende mobilizar a população portuguesa para a participação em actividades físicas e desportivas, promovidas pelas Câmaras Municipais e por outras entidades locais.

Neste evento a nota dominante será a realização de actividades desportivas abertas à participação de todos os cidadãos, dirigidas a ambos os sexos e a todas as idades desejando-se que as acções decorram o mais próximo possível das pessoas.

Para mais informações, esclarecimentos e inscrições devem os interessados em participar contactar a Piscina Municipal através do número telefone 249 730 627 ou o Pavilhão Desportivo Municipal pelo 249 730 059.
Por CMC

Literatura.


O romance essencial para compreender
as raízes profundas do declínio da monarquia portuguesa.


"Carlos I é a tragédia de toda uma família, uma tragédia que vem do fim do século XVIII e se prolonga até aos nossos arrabaldes. A história do nosso último rei a sério – já que Manuel II não passou duma criança que fez de conta que reinou durante dois anos – foi afinal um caso que demorou bem mais de cem anos a germinar e a desenvolver. Que desmedido ventre o trouxe ao mundo! Em vez de nove meses, noventa anos de gestação. É caso muito sério. E é por ser tão horrível e tão imensa, que uma tal tragédia nos parece tão estupenda.
Sem conhecermos os avós, nunca perceberemos o neto. Carlos em si é um enigma, uma bola opaca e pesada de carne ou de sebo, avessa ao mais penetrante olhar, mas visto à luz dos hábitos e das histórias dos seus antepassados faz-se claro, fácil, transparente. Este ser que viveu quarenta e quatro anos pode ter sido reservado como um tímido, fechado como um oráculo e desconhecido como um estrangeiro mas o seu passado faz dele um ser tão previsível e tão
esperado como um hábito repetido; na sua figura e na sua história vieram afinal cruzar-se com a máxima força e crueza todas as virtudes e todas as taras que encontramos dispersas e desencontradas nos seus antepassados mais próximos."

Onde houver...


Onde houver uma árvore para plantar, planta-a tu. Onde houver um erro para emendar, emenda-o tu. Onde houver um esforço de que todos fogem, fá-lo tu. Sê tu aquele que afasta as pedras do caminho.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Se te Abaixasses, Montanha




Se te abaixasses, montanha,
poderia ver a mão
daquele que não me fala
e a quem meus suspiros vão.

Se te abaixasses, montanha,
poderia ver a face
daquele que se soubesse
deste amor talvez chorasse.

Se te abaixasses, montanha,
poderia descansar.
Mas não te abaixes, que eu quero
lembrar, sofrer, esperar.

Cecília Meireles, in 'Poemas (1947)

Inconstância.


A inconstância, pela agitação que produz, é o complemento da felicidade .

O Tempo e o Tédio




Com respeito à natureza do tédio encontram-se frequentemente conceitos erróneos. Crê-se em geral que a novidade e o carácter interessante do seu conteúdo "fazem passar" o tempo, quer dizer, abreviam-no, ao passo que a monotonia e o vazio estorvam e retardam o seu curso. Mas não é absolutamente verdade. O vazio e a monotonia alargam por vezes o instante ou a hora e tornam-nos "aborrecidos"; porém, as grandes quantidades de tempo são por elas abreviadas e aceleradas, a ponto de se tornarem um quase nada. Um conteúdo rico e interessante é, pelo contrário, capaz de abreviar uma hora ou até mesmo o dia, mas, considerado sob o ponto de vista do conjunto, confere amplitude, peso e solidez ao curso do tempo, de tal maneira que os anos ricos em acontecimentos passam muito mais devagar do que aqueles outros, pobres, vazios, leves, que são varridos pelo vento e voam. Portanto, o que se chama de tédio é, na realidade, antes uma simulação mórbida da brevidade do tempo, provocada pela monotonia: grandes lapsos de tempo quando o seu curso é de uma ininterrupta monotonia chegam a reduzir-se a tal ponto, que assustam mortalmente o coração; quando um dia é como todos, todos são como um só; e numa uniformidade perfeita, a mais longa vida seria sentida como brevíssima e decorreria num abrir e fechar de olhos. O hábito é uma sonolência, ou, pelo menos, um enfraquecimento do senso do tempo, e o facto dos anos de infância serem vividos vagarosamente, ao passo que a vida posterior se desenrola e foge cada vez mais depressa, esse facto também se baseia no hábito. Sabemos perfeitamente que a intercalação de mudanças de hábitos, ou de hábitos novos, constitui o único meio de manter a nossa vida, de refrescar a nossa sensação de tempo, de obter um rejuvenescimento, um reforço, um atraso da nossa experiência do tempo, e com isso, a revolução da nossa sensação da vida em geral. Tal é a finalidade da mudança de lugar e de clima, da viagem de recreio: nisso reside o que há de salutar na variação e no episódio. Os primeiros dias num ambiente novo têm um curso juvenil, quer dizer, vigoroso e amplo - seis ou oito dias. Depois, na medida em que a pessoa se "aclimata", começa a senti-los abreviarem-se: quem se apega à vida, ou melhor, quem gostaria de apegar-se à vida nota, com horror, como os dias começam a tornar-se leves e furtivos; e a última semana - de quatro, por exemplo - é de uma rapidez e fugacidade inquietante. Verdade é que a vitalização do nosso senso de tempo faz-se sentir para além do interlúdio, e desempenha o seu papel ainda quando a pessoa já voltou à rotina; os primeiros dias que passamos em casa, depois desta variação, afiguram-se-nos também novos, amplos e juvenis, mas sómente uns poucos: porque a gente acostuma-se mais rápidamente à rotina do que à sua suspensão, e quando o nosso senso do tempo está fatigado pela idade, ou nunca o possuímos desenvolvido em alto grau - o que é sinal de pouca força vital - volta a adormecer muito depressa, e ao cabo de vinte e quatro horas já é como se a pessoa jamais tivesse partido e a viagem não passasse de um sonho de uma noite.

Thomas Mann, in "A Montanha Mágica"

domingo, 20 de setembro de 2009

Phantom on a mouth organ.

Pergunta .




Quem vem de longe e sabe o nome do meu lugar
e levou o caminho das conchas em mar
e dos olhos em rio
— quem vem de longe chorar por mim?

Quem sabe que eu findo de dureza
e condensa ternura em suas mãos
para a derramar em afagos
por mim?

Quem ouviu a angústia do meu brado,
sirene de um navio a vadiar no largo,
e me traz seus beijos e sua cor,
perdendo-se na bruma das madrugadas
por mim?

Quem soube das asperezas da viagem
e pediu o pão negado
e o suor ao corpo torturado,
por mim? por mim?

Quem gerou o mundo e lhe deu seu nome
e seu tamanho — imenso, imenso,
e em mim cabe?

Fernando Namora.

Horas.


As horas batem indiferentemente para todos e soam diferentemente para cada um .

sábado, 19 de setembro de 2009

Mentira.



João Pedro Pais.

Livro meu.


Agora, livro meu, vai, vai para onde o acaso te leve ...

O Livro da Vida .




Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia...
— Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada,
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria
Ao primeiro clarão da primeira alvorada.

Perto dele caminha, em ruidoso tumulto,
Todo o humano tropel num clamor ululando,
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.

Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos;
E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,—
A ler e a meditar postulados eternos,
Sem um fanal que o seu espírito esclareça!

Cada página abrange um estádio da Vida,
Cujo eterno segredo e alcance transcendente
Ele tenta arrancar da folha percorrida,
Como de mina obscura a pedra refulgente.

Mas o tempo caminha; os anos vão correndo;
Passam as gerações; tudo é pó, tudo é vão...
E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo!
E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.

Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta:
Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos,
Nem o humano sofrer, que outras almas enluta,
Nem a neve do Inverno a pratear-lhe os cabelos!

Só depois de voltada a folha derradeira,
Já próximo do fim, sobre o livro, alquebrado,
É que o Sábio entreviu, como numa clareira,
A luz que iluminou todo o caminho andado..

Juventude, manhãs de Abril, bocas floridas,
Amor, vozes do Lar, estos do Sentimento,
— Tudo viu num relance em imagens perdidas,
Muito longe, e a carpir, como em nocturno vento.

Mas então, lamentando o seu estéril zelo,
Quando viu, a essa luz que um instante brilhou,
Como o Livro era bom, como era bom relê-lo,
Sobre ele, para sempre, os seus olhos cerrou...

António Feijó,

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Imaginação.


Por vezes o entendimento descontrai-se para que a esperança se divirta com o que a imaginação sonha .

Ralações ou relações.


Tenho relações ou tenho ralações? Sim, não é para brincar com a palavra, é para examinar a qualidade das nossas relações. Se são humanas e construtivas, podem trazer sofrimento e cuidado, mas fazem crescer. Mas se as nossas relações são egoístas e enganadoras, então não só trazem ralações, como são elas próprias ralações, destruições mútuas e transmissíveis. Nós somos o que forem as nossas relações.

Vasco Pinto de Magalhães