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sábado, 11 de abril de 2009

Páscoa.




Velhice
é um modo de sentir frio que me assalta
e uma certa acidez.
O modo de um cachorro enrodilhar-se
quando a casa se apaga e as pessoas se deitam.
Divido o dia em três partes:
a primeira pra olhar retratos,
a segunda pra olhar espelhos,
a última e maior delas, pra chorar.
Eu, que fui loura e lírica,
não estou pictural.
Peço a Deus,
em socorro da minha fraqueza,
abrevie esses dias e me conceda um rosto
de velha mãe cansada, de avó boa,
não me importo. Aspiro mesmo
com impaciência e dor.
Porque sempre há quem diga
no meio da minha alegria:
"põe o agasalho"
"tens coragem?"
"por que não vais de óculos?"
Mesmo rosa sequíssima e seu perfume de pó,
quero o que desse modo é doce,
o que de mim diga: assim é.
Pra eu parar de temer e posar pra um retrato,
ganhar uma poesia em pergaminho.

Adélia Prado.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Se Tudo quanto Existe...




Se tudo quanto existe
é lenta evolução,
longa transformação
sem Deus e sem mistério;
se tudo no Universo tem sentido
sem o sopro divino;
se o segredo da vida, a criação,
se explica pela ciência,
e a corrente vital
é também consequência;
se a humana consciência
é simples equação...
— que significa a vocação do eterno,
que quer dizer a aspiração do Céu
e o terror do inferno?

E se acaso é o instinto a lei da vida,
se a verdade
é só necessidade
inexorável, lenta, laboriosa,

que sábia explicação
tem esta frágil, esta inútil rosa?

Fernanda de Castro, in "Asa do Espaço"

Assédio!

A Alma Transforma-se em Sensações .




Eis um efeito que me será contestado, e que só apresento aos homens que, digamos, são bastante infelizes para terem amado com paixão durante longos anos, dum amor contrariado por obstáculos invencíveis:
A vista de tudo o que é extremamente belo, tanto na natureza como nas artes, traz-nos a recordação do que amamos, com a rapidez de um relâmpago. É que, pelo processo do ramo de árvore guarnecido de diamantes da mina de Salzburgo, tudo o que no mundo é belo e sublime faz parte da beleza do que amamos, e esta visão imprevista da felicidade enche-nos os olhos de lágrimas num instante. É assim que o amor do belo e o amor se dão vida um ao outro.
Uma das infelicidades da vida é que a ventura de ver a quem amamos e de lhe falar não deixa recordações distintas. Aparentemente, a alma está demasiado perturbada pelas suas emoções para poder prestar atenção ao que as causa ou as acompanha. Transforma-se na própria sensação. É talvez porque estes prazeres não se podem renovar sempre que queremos, por simples força de vontade, que se renovam com tanta força, desde que um objecto qualquer nos venha tirar da meditação consagrada à mulher que amamos, e lembrar-no-la mais vivamente por meio de uma nova sugestão (o perfume dela, por exemplo).

Stendhal, in "Do Amor"

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Porque




Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


“No Tempo Dividido e Mar Novo”
Sophia de Mello Breyner Andresen

Páscoa


Coelhinho da páscoa
que trazes pra mim?
Um ovo, dois ovos, três ovos assim.
Um ovo, dois ovos, três ovos assim.

Coelhinho da páscoa
que cor eles tem?
Azul, amarelo, vermelho também.
Azul, amarelo, vermelho também.

Coelhinho da páscoa
que trazes pra mim?
Um ovo, dois ovos, três ovos assim.
Um ovo, dois ovos, três ovos assim.

Coelhinho da páscoa
que cor eles tem?
Azul, amarelo, vermelho também.
Azul, amarelo, vermelho também.

Ninguém é de ninguém.

Literatura

O crime do padre Amaro.

O romance desenrola-se na província de Leiria. Este começa com a apresentação do ambiente - Leiria e a sua vida devota – e das personagens principais – Amaro e Amélia.

Depois, em analepse, volta à infância dos protagonistas para explicar a sua formação moral e educação, já que serão estes factores que irão condicionar e explicar as suas atitudes posteriores.

Amaro fica órfão muito cedo e é entregue ao cuidado de uma protectora que era uma marquesa rica. À morte desta é herdeiro de um legado, mas só na condição de se fazer padre. E lá acaba por fazer, a muito custo, o seminário.

A protecção que pede à família do conde de Ribamar, faculta-lhe um lugar como pároco em Leiria.

É aí que Amaro conhece Amélia e rapidamente se apaixonam. Esta fica grávida, situação que, naturalmente, acarretaria graves consequências para a vida sacerdotal de Amaro. Assim, num acto impensado, este mata o próprio filho, já que Amélia morre após o parto.



Relendo Eça de Queiroz.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Fragilidades!


Como a nossa fragilidade o concebe e o pratica, o amor é um sentimento essencialmente incómodo. Mal dois olhares se trocam e duas mãos se enlaçam, vem logo a tragédia das suspeitas, dos ciúmes, das zangas, das recriminações, estragar momentos que deviam ser os mais belos, os mais alegres, os mais despreocupados da vida

Canto dos Espíritos sobre as Águas




A alma do homem
É como a água:
Do céu vem,
Ao céu sobe,
E de novo tem
Que descer à terra,
Em mudança eterna.

Corre do alto
Rochedo a pino
O veio puro,
Então em belo
Pó de ondas de névoa
Desce à rocha liza,
E acolhido de manso
Vai, tudo velando,
Em baixo murmúrio,
Lá para as profundas.

Erguem-se penhascos
De encontro à queda,
— Vai, 'spúmando em raiva,
Degrau em degrau
Para o abismo.

No leito baixo
Desliza ao longo do vale relvado,
E no lago manso
Pascem seu rosto
Os astros todos.

Vento é da vaga
O belo amante;
Vento mistura do fundo ao cimo
Ondas 'spumantes.

Alma do Homem,
És bem como a água!
Destino do homem,
És bem como o vento!

Johann Wolfgang von Goethe, in "Poemas"
Tradução de Paulo Quintela

Pergunte à mamãe!




Esta é uma conversa de mãe para filha, do tempo em que as moças que iam casar perguntavam às mães sobre a noite de núpcias. Ela explica talvez um pouco porque deixaram de perguntar.

— É assim, minha filha. O importante é não ficar nervosa. Na hora ele bota uma valsinha na vitrola, pede pra você pegar a sombrinha e ir andando na corda bamba. Você já deve estar preparada, de saiote, e sem nada por baixo. Isso é importante. Ele senta numa cadeira e fica olhando pra cima e assobiando como se não fosse com ele. Você se concentra na música, vai botando um pezinho na frente do outro, sempre sorrindo e mandando beijinhos como se tivesse gente assistindo. Assim ele fica mais excitado. Quando você estiver bem distraída, ele faz "u!", você se assusta, perde o equilíbrio e cai escanchada no colo dele. Ele faz "ú!" de novo mas aí com outra entonação. É assim, minha filha.

— Ah — fez a moça e foi se preparar não muito convencida, pois a mulher do engolidor de fogo tinha lhe ensinado diferente.

Por Fortuna.


Texto extraído do livro "Acho tudo muito estranho ."

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Cultura e Lazer .

O Mirante - diário online - Cultura & Lazer - O escritor dos “homens que nunca foram meninos” chegou a Alhandra guiado por um grande amor

Viver a Páscoa .




É ser capaz de mudar,
É partilhar a vida na esperança,
É lutar para vencer toda sorte de sofrimento
É dizer sim ao amor e à vida,
É investir na fraternidade,
É lutar por um mundo melhor...

Artesanato em Constância.


XXII Mostra Nacional de abre as suas portas sexta-feira, dia 10 de Abril, pelas 15.00H
Região Autónoma dos Açores em destaque na Mostra de Artesanato
A Mostra Nacional de Artesanato abre as suas portas ao público, em Constância, na próxima sexta-feira, dia 10 de Abril pelas 15.00H, um evento que integra a Festas do Concelho de Constância 2009, as quais decorrem nesta vila ribatejana nos dias 11, 12 e 13 de Abril.

À semelhança dos anos anteriores haverá uma região do País em destaque na Mostra Nacional de Artesanato, um lugar que este ano será ocupado por um pavilhão da Região Autónoma dos Açores.

A Mostra Nacional de Artesanato, que já vai na sua XXII edição, conferindo a cada produto um bocadinho da nossa identidade, pretende valorizar as artes e os ofícios tradicionais, contribuindo para a preservação dos usos e costumes da cultura portuguesa.

Assim, nos dias 10, 11, 12 e 13 de Abril, o Parque de Campismo de Constância transforma-se numa grande montra de artesanato, acolhendo dezenas de pavilhões, que comercializam produtos de excelente qualidade, manufacturados por pessoas que detêm um saber artístico único e exclusivo.

Deste modo, convidam-se os visitantes das Festas do Concelho de Constância a efectuar uma viagem pelas nossas raízes, apreciando os produtos de artesanato expostos nos 57 pavilhões presentes na XXII Mostra Nacional de Artesanato

CMC.

Versos.



Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: “a noite está estrelada

e tiritam, azuis, os astros, na distância”.

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Eu a quis, e ela, às vezes, também a mim.

Em noites como esta a tive entre meus braços.

A beijei tantas vezes debaixo do céu infinito.

Ela me quis, como algumas vezes eu também a ela.

Como não ter amado seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.

E o verso cai na alma como o sereno no pasto.

Que importa que meu amor não pôde mantê-la comigo.

A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Alguém canta lá longe. Muito longe.

Minha alma não se conforma por tê-la perdido.

Como para aproximá-la, meu olhar busca por ela.

Meu coração busca por ela, e ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.

Nós, os daquela época, não somos mais os mesmos.

Já não a amo, é certo, mas quanto a quis.

Minha voz buscava o vento para tocar seu ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.

Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não a amo, é certo, mas talvez ainda a ame.

É tão curto o amor, e tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta a tive em meus braços, minha alma não se conforma por tê-la perdido.

Ainda que esta seja a última dor que ela me causa. E estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.)

Pablo Neruda.

domingo, 5 de abril de 2009

Falámos Tantos Anos de Tão Pouco .




Falámos tantos anos de tão pouco
entre os campos
do corpo
a fala fende os dentes
o corpo que te ouve ampara
a tua fala

É o último dia mas que dia
poderia deter assim a boca
dizíamos ainda que viríamos
ouvir-nos um ao outro
a fala dolorosa encontra os dentes
e olho a tua boca como um corpo

Gastão Cruz, in "Teoria da Fala"

Dono de quem?







O cão, que pensava ser dono de seu dono, que o via correr ao menor ganido (e afagá-lo a qualquer momento), teve, naquela tarde, uma surpresa: constatou, da maneira mais patética que um cão poderia fazê-lo, sofrendo como o cão mais desgraçado da quadra sofreria ante àquilo, que era preterido em função de uma garota. E não adiantaram apelos chantagistas, olhares tristes ou abanar de rabos, pois o olhar que o rapaz propôs à garota que entrava em seu quarto dizia tudo. O olhar tinha cheiro de paixão, e o cão bem sabia distinguir os cheiros. E havia o aroma que brotava daquele pescoço, um pescoço liso como a pele de uma relva, interrompido por uma fina corrente que mal separava a relva do início do rosto, da tez que era bronzeada mesmo no inverno mais rude, mesmo no vento mais cortante que arrancava folhas das árvores de nossa cidade. Naquela tarde, o cão soube quem era dono de quem, e então não teve escolha: aceitou a porta fechada em sua cara, desceu as escadas pata por pata, saiu ao pátio e ao vento nos pêlos, e se pôs a roer, velho e gasto, o osso.

Cassio Grinberg.

Ginásio de Ar Livre .



Equipamento Pioneiro vai ser inaugurado em Constância
Domingo - 5 de Abril – 16.OO Horas Sob a égide do conceito Desporto para Todos, a autarquia de Constância, vai inaugurar o primeiro Ginásio de Ar Livre, no próximo domingo, 5 de Abril, pelas 16 horas, uma infra-estrutura que se localiza no Parque Ambiental de Santa Margarida, freguesia de Santa Margarida da Coutada, concelho de Constância.

Constituído por sete equipamentos, o Ginásio de Ar Livre, acompanha os modelos de pioneirismo de hábitos de prática desportiva procurando associar o modelo família e desporto, potenciando os diferentes espaços de fruição desportiva do Parque Ambiental.

O novo equipamento teve um custo de aproximadamente sete mil euros, assegurado integralmente pelo orçamento da autarquia.

Registe-se que os Ginásios de Ar Livre tiveram um forte incremento na China, após os Jogos Olímpicos de 2008, caracterizando-se por equipamentos que potenciam o trabalho cardio-vascular a par de uma especificação em determinados grupos musculares, como são o caso dos ombros, pernas, costas e abdominais.

Por CMC

sábado, 4 de abril de 2009

Desporto e Pedagogia .





Diz ele que não sei ler
Isso que tem? Cá na aldeia
Não se arranjam dúzia e meia
Que saibam ler e escrever.


P'ra escolas não há bairrismo,
Não há amor nem dinheiro.
Por quê? Porque estão primeiro
O Futebol e o Ciclismo!


Desporto e pedagogia
Se os juntassem, como irmãos,
Esse conjunto daria,
Verdadeiros cidadãos!
Assim, sem darem as mãos,
O que um faz, outro atrofia.


Da educação desportiva,
Que nos prepara p'ra vida,
Fizeram luta renhida
Sem nada de educativa.


E o povo, espectador em altos gritos,
Provoca, gesticula, a direito e torto,
Crendo assim defender seus favoritos
Sem lhe importar saber o que é desporto.


Interessa é ganhar de qualquer maneira.
Enquanto em campo o dever se atropela,
Faz-se outro jogo lá na bilheiteira,
Que enche os bolsinhos aos que vivem dela.

Convém manter o Zé bem distraído
Enquanto ele se entrega à diversão,
Não pode ver por quantos é comido
E nem se importa que o comam, ou não.

E assim os ratos vão roendo o queijo
E o Zé, sem ver que é palerma, que é bruto,
De vez em quando solta o seu bocejo,
Sem ter p'ra ceia nem pão, nem conduto.

António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."

A Luta pela Recordação .




Os meus pensamentos foram-se afastando de mim, mas, chegado a um caminho acolhedor, repilo os tumultuosos pesares e detenho-me, de olhos fechados, enervado num aroma de afastamento que eu próprio fui conservando, na minha pequena luta contra a vida. Só vivi ontem. Ele tem agora essa nudez à espera do que deseja, selo provisório que nos vai envelhecendo sem amor.
Ontem é uma árvore de longas ramagens, e estou estendido à sua sombra, recordando.
De súbito, contemplo, surpreendido, longas caravanas de caminhantes que, chegados como eu a este caminho, com os olhos adormecidos na recordação, entoam canções e recordam. E algo me diz que mudaram para se deter, que falaram para se calar, que abriram os olhos atónitos ante a festa das estrelas para os fechar e recordar...
Estendido neste novo caminho, com os olhos ávidos florescidos de afastamento, procuro em vão interceptar o rio do tempo que tremula sobre as minhas atitudes. Mas a água que consigo recolher fica aprisionada nos tanques ocultos do meu coração em que amanhã terão de se submergir as minhas velhas mãos solitárias...

Pablo Neruda, in 'Nasci para Nascer'