Seguidores

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Alma


Quero desnudar a minha alma. Não quero uma alma vestida de ceroulas ...

O Interior da Alma.




O olho do espírito em parte nenhuma pode encontrar mais deslumbramentos, nem mais trevas, do que no homem, nem fixar-se em coisa nenhuma, que seja mais temível, complicada, misteriosa e infinita. Há um espectáculo mais solene do que o mar, é o céu; e há outro mais solene do que o céu, é o interior da alma.

Fazer o poema da consciência humana, mas que não fosse senão a respeito de um só homem, e ainda nos homens o mais ínfimo, seria fundir todas as epopeias numa epopeia superior e definitiva. A consciência é o caos das quimeras, das ambições e das tentativas, o cadinho dos sonhos, o antro das ideias vergonhosas: é o pandemónio dos sofismas, é o campo de batalha das paixões. Penetrai, a certas horas, através da face lívida de um ser humano, e olhai por trás dela, olhai nessa alma, olhai nessa obscuridade. Há ali, sob a superfície límpida do silêncio exterior, combates de gigante como em Homero, brigas de dragões e hidras, e nuvens de fantasmas, como em Milton, espirais visionárias como em Dante. Sombria coisa esse infinito que todo o homem em si abarca, e pelo qual ele regula desesperado as vontades do seu cérebro e as acções da sua vida!

Victor Hugo, in 'Os Miseráveis'

Carta ...





Amor :
a manhã é uma densa juventude
e um caminho de esperança, recolhido.

Com brisas que antecedem os desejos
magoa as ténues águas dos nenúferes
onde os peixes gravitam suas cores.

As crianças brincam já a esta hora.
As suas vozes trocam de harmonia
e sobem, no meu peito iluminado.

O dia acorda o dia e, lentamente,
nos preparamos para envelhecer.

E assim, amor, eu mando-te notícias
sem vontade de ter outra morada
que não seja sorrir e estar contigo.

Passou, agora mesmo, ao rés da rua,
um esquife, vazio de pessoas,
queimando a dor em duas ou três rosas
- quase bonitas de tão pobrezinhas!

Além, um gato, expira nos esgotos
seu gesto melancólico de fome
e um homem - já cansado de ser homem,
encosta-se ao portão dum prédio novo.

É manhã. Um ar lavado e fresco
entorna-se nos rostos apressados
como se a dor não existisse mais.
Que sons, os da cidade, meu amor !


Vasco de Lima Couto
In " BOM DIA, MEU AMOR "

terça-feira, 4 de maio de 2010

Paixão


Estamos muito longe de conhecer tudo o que as nossas paixões nos levam a fazer ...

O Ideal da Amizade.




A camaradagem, o companheirismo, às vezes, parecem amizade. Os interesses comuns por vezes criam situações humanas que são semelhantes à amizade. E as pessoas também fogem da solidão, entrando em todo o tipo de intimidades de que, a maior parte das vezes, se arrependem, mas durante algum tempo podem estar convencidas de que essa intimidade é uma espécie de amizade. Naturalmente, nesses casos não se trata de verdadeira amizade. Uma pessoa imagina que a amizade é um serviço. O amigo, assim como o namorado, não espera recompensa pelos seus sentimentos. Não quer contrapartidas, não considera a pessoa que escolheu para ser seu amigo como uma criatura irreal, conhece os seus defeitos e assim o aceita, com todas as suas consequências. Isso seria o ideal. E na verdade, vale a pena viver, ser homem, sem esse ideal?

E se um amigo falha, porque não é um verdadeiro amigo, podemos acusá-lo, culpando o seu carácter, a sua fraqueza? Quanto vale aquela amizade, em que só amamos o outro pela sua virtude, fidelidade e perseverança? Quanto vale qualquer afecto que espera recompensa? Não seria nosso dever aceitar o amigo infiel da mesma maneira que o amigo abnegado e fiel? Não seria isso o verdadeiro conteúdo de todas as relações humanas, esse altruísmo que não quer nada e não espera nada, absolutamente nada do outro? E quanto mais dá, menos espera em troca? E se entrega ao outro toda a confiança de uma juventude, toda a abnegação da idade viril e finalmente oferece a coisa mais preciosa que um ser humano pode proporcionar a outro ser humano, a sua confiança absoluta, cega e apaixonada, e depois se vê confrontado com o facto de o outro ser infiel e vil, tem direito de se ofender, de exigir vingança? E se se ofende e grita por vingança, era realmente amigo, o traído e abandonado?

Sándor Márai, in 'As Velas Ardem Até ao Fim'

Primavera triste...


chove copiosamente
dia triste
primaveril
de águas mil...
Primavera
sentida
sem ti
sem flores
o que será de mim ?
Brilha Primavera
desabrocha os teus amores
alegra-te
brilha
reparte as tuas flores...

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Pôr de sol alaranjado




Cor de laranja
mística
cor de mel silvestre
eufórica
divina
espiritual
ultra-terrestre...

Laranja
cor expansiva e afirmativa
de coragem
animação
construtiva
entusiasta
fonte de comunicação...

Laranja
amarga e doce
aprazível com sabor a mel
suco,essência
azeda
com sabor a fel...

Pôr de sol alaranjado
irradias calor
dilatas a minha alma
transformas o meu ser
em energia e amor...

domingo, 2 de maio de 2010

Prémio dardos.



Oferecido pela maria a quem muito agradeço.

do blog.
http://algarve-saibamais.blogspot.com

Janela do Sonho .






Abri as janelas
que havia dentro de ti
e entrei abandonado
nos teus braços generosos.

Senti dentro de mim
o tempo a criar silêncio
para te beber altiva e plena.

Mil vezes
repeti teu nome,
mil vezes,
de forma aveludada
e era a chave
que se expunha
e fecundava dentro de mim.

Já não se sonha,
deixei de sonhar,
o sonho é poeira dos tempos
é a voz da extensão
é a voz da pureza
que dardejava na nossa doçura.

Quando abri as tuas janelas
e despi teus braços
perdi a vaidade
e a pressa,
amei a partida
e em silêncio abri,
(sem saber que abria)
uma noite húmida
em combustão secreta
desmaiado no teu ombro
de afrodite.

Carlos Melo Santos, in "Lavra de Amor"

Literatura.


Relendo, Eça de Queiroz.

Prosas Bárbaras

Os temas mais frequentes nesta colectânea de contos, são o macabro, o sinistro, a morte, o satanismo, a dualidade imortalidade da matéria/mortalidade da alma, a crença na metempsicose dos corpos, a crença que a matéria guarda saudade e recordação das vidas anteriormente vividas, temas de natureza religiosa vagamente panteísta e, por fim, alguns indícios de critica social.

Para todas as Mães do mundo.

sábado, 1 de maio de 2010

1º de Maio.


A nova cultura começa quando o trabalhador e o trabalho são tratados com respeito ...

Os ses...

Um Ofício que Fosse de Intensidade e Calma .




Um ofício que fosse de intensidade e calma
e de um fulgor feliz E que durasse
com a densidade ardente e contemporâneo
de quem está no elemento aceso e é a estatura
da água num corpo de alegria E que fosse fundo
o fervor de ser a metamorfose da matéria
que já não se separa da incessante busca
que se identifica com a concavidade originária
que nos faz andar e estar de pé
expostos sempre à única face do mundo
Que a palavra fosse sempre a travessia
de um espaço em que ela própria fosse aérea
do outro lado de nós e do outro lado de cá
tão idêntica a si que unisse o dizer e o ser
e já sem distância e não-distância nada a separasse
desse rosto que na travessia é o rosto do ar e de nós próprios

António Ramos Rosa, in "Poemas Inéditos"

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Anda, Vem.




Anda, vem... por que te négas,
Carne morêna, toda perfume?
Por que te cálas,
Por que esmoreces
Boca vermêlha, - rosa de lume!

Se a luz do dia
Te cóbre de pêjo,
Esperemos a noite presos n'um beijo.

Dá-me o infinito goso
De contigo adormecer,
Devagarinho, sentindo
O arôma e o calôr
Da tua carne, - meu amôr!

E ouve, mancebo aládo,
Não entristeças, não penses,
- Sê contente,
Porque nem todo o prazer
Tem peccado...

Anda, vem... dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos;

Tenho Saudades da vida!

Tenho sêde dos teus beijos!


António Botto, in 'Canções'

O Rápido Passar do Tempo é Sinal de Inactividade.



O ócio torna lentas as horas e velozes os anos. A actividade torna rápida as horas e lentos os anos. A infância é a actividade máxima, porque ocupada em descobrir o mundo na sua diversidade.
Os anos tornam-se longos na recordação se, ao repensá-los, encontramos numerosos factos a desenvolver pela fantasia. Por isso, a infância parece longuíssima. Provavelmente, cada época da vida é multiplicada pelas sucessivas reflexões das que se lhe seguem: a mais curta é a velhice, porque nunca será repensada.
Cada coisa que nos aconteceu é uma riqueza inesgotável: todo o regresso a ela a aumenta e acresce, dota de relações e aprofunda. A infãncia não é apenas a infância vivida, mas a ideia que fazemos dela na juventude, na maturidade, etc. Por isso, parece a época mais importante, visto ser a mais enriquecida por considerações sucessivas.
Os anos são uma unidade da recordação; as horas e os dias, uma unidade da experiência.

Cesare Pavese, in 'O Ofício de Viver'

Literatura


A problemática do desenvolvimento local remete-nos para a evidência de que vivemos sempre num qualquer sítio.Mas desafia-nos,mais do que isso,a viver o sitio que habitamos.

Por isso mesmo,a viabilidade do nosso mundo rural passa por (muitas) linhas de acção que tornem esse mundo habitável e que nos devolvam a possibilidade de viver o sítio de forma positiva,humanamente criadora.

Recuperar a memória encantada dos lugares de que é feito esse nosso mundo,trazer á superfície esse imaginário que,de muitos modos,ainda se encontra activo,embora recalcado,refazer a densidade simbólica dos sítios,oferecer à criactividade algumas das raízes de que se pode alimentar,apresentar alguns traços do homem rural que nos procedeu e que de algum modo ainda coabita connosco,enfim,pesquisar e disponibilizar uma parte significativa da tradição oral do nosso mundo rural,foi o trabalho que assumiu para si,durante anos,a professora Isilda Jana.Tanto mais importante quanto é uma biblioteca que arde cada vez que as pessoas,ao morrerem,levam consigo o seu testemunho insubstituível.

(José Alves Jana.)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Dia internacional da dança.


A DANÇA

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.
.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.
.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo directamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
.
Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

Pablo Neruda

A Melancolia




A melancolia é sorna e estéril. Camões escreveu a sua epopeia nos dias da esperança. Quando a tristeza desanimadora o entrou, já não pôde escrever para o fidalgo, que lha pedia, uma paráfrase dos salmos.
Uma inteligência em quietismo não danifica os interesses materiais dum país, e até certo ponto pode considerar-se providencial o pousio; mas um cidadão analfabeto, embrutecido pela melancolia, se a sua qualidade civil é importante como deve ser, pode prejudicar gravemente os interesses da cidade.
Ainda bem que a melancolia raro se atreve a perturbar o funcionalismo intelectivo de certas cabeças, cuja organização é maravilha. Daí provém a traça metódica e auspiciosa com que o homem supinamente ignorante regula os seus negócios. Há nessa cabeça a perene claridade dum fundo de garrafa de cristal. As ideias impedem-lhe congeladas da abóbada craniana como as estalactites duma caverna. Dessa imobilidade imperturbável de cérebro resulta a fixidez da mira posta num alvo, a pertinácia das empresas e o conseguimento dos bons efeitos.
Ainda não vi tão cabal e logicamente explicado o fortunoso êxito de algumas riquezas granjeadas pela inépcia.
Não obstante, o número dos bastardos da fortuna é muito maior. O leitor é de certo um dos que tem em cada dia uma hora de enojo, de quebranto, de melancolia, de concentração dolorosa, de desapego à vida, de misantropia e de diálogo terrível com o fantasma da aniquilação.

Camilo Castelo Branco, in 'Coração, Cabeça e Estômago'

Saudade que dói...


Saudade
é estar distante
viver separado
chorar
viver amargurado...
Saudade
é nostalgia
tempos corroídos
desgastados
dia a dia...
Saudade
é viver do outro lado
á distância
lágrimas do passado...
Saudade
é um estado de alma
fragmentos de uma ruptura
tristeza profunda
amargura...
Saudade
é dor que dói
entranha-se
desgasta
corrói...