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quarta-feira, 4 de novembro de 2009
O Medo do Aborrecimento .
O género de aborrecimento de que sofre a população das cidades modernas está intimamente ligado à sua separação da vida da Terra. Essa separação torna o seu viver ardente, poeirento e ansioso, tal como uma peregrinação no deserto. Nos que são suficientemente ricos para escolher o seu género de vida, o estigma peculiar de insuportável aborrecimento que os distingue é devido, por muito paradoxal que isso possa parecer, ao seu medo do aborrecimento. Ao fugirem do aborrecimento que é fecundo, são vítimas de outro de natureza pior. Uma vida feliz deve ser, em grande medida, uma vida tranquila, pois só numa atmosfera calma pode existir o verdadeiro prazer.
Bertrand Russell, in "A Conquista da Felicidade"
O meu sentir...
Na minha mente sinto
o afago dos teus abraços
a quentura da tua boca...
Oiço longe a tua voz
sumida
ardente
rouca de paixão...
O que será de mim
o que será de nós...
Se o sentir está dentro de mim
sentindo eu,o que tu sentes
este desejo permanente
constante,de te abraçar
e dizer baixinho
que te amo
constantemente.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Bereshit Bara
Chuva miudinha
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Outono vazio.
Nona Sinfonia.
É por dentro de um homem que se ouve
o tom mais alto que tiver a vida
a glória de cantar que tudo move
a força de viver enraivecida.
Num palácio de sons erguem-se as traves
que seguram o tecto da alegria
pedras que são ao mesmo tempo as aves
mais livres que voaram na poesia.
Para o alto se voltam as volutas
hieráticas sagradas impolutas
dos sons que surgem rangem e se somem.
Mas de baixo é que irrompem absolutas
as humanas palavras resolutas.
Por deus não basta. É mais preciso o Homem.
Ary dos Santos, in 'O Sangue das Palavras'
domingo, 1 de novembro de 2009
O Macho
O macho não é menos a alma,
nem é mais:
ele também está no seu lugar,
ele também é todo qualidades,
é acção e força,
nele se encontra
o fluxo do universo conhecido,
fica-lhe bem o desdém,
ficam-lhe bem os apetites e a ousadia,
o maior entusiasmo e as mais profundas paixões
ficam-lhe bem: o orgulho cabe a ele,
orgulho de homem à potência máxima
é calmante e excelente para a alma,
fica-lhe bem o saber e ele o aprecia sempre,
tudo ele chama à experiência própria,
qualquer que seja o terreno,
quaisquer que sejam o mar e o vento,
no fim é aqui que ele faz a sondagem.
(Onde mais lançaria ele a sonda,
senão aqui?)
Sagrado é o corpo do homem
como sagrado é o corpo da mulher,
sagrado — não importa de quem seja.
É o mais humilde numa turma de operários?
É um dos imigrantes de face turva
apenas desembarcados no cais?
São todos daqui ou de qualquer parte,
da mesma forma que os bem situados,
da mesma forma que qualquer um de vocês:
cada qual há-de ter na procissão
o lugar dele ou dela.
(Tudo é uma procissão,
todo o universo é uma procissão
em movimento medido e perfeito.)
Saberão vocês tanto, de si mesmos,
que ao mais humilde chamem de ignorante?
Consideram-se com todo direito a uma boa visão
e a ele ou ela sem nenhum direito a uma visão?
Acham então que a matéria se fez coesa
na inconsistência em que flutuava
e que a crosta subiu e se fez chão
e as águas correm e brotam as plantas
para vocês, só — para ele e ela, nada?
Walt Whitman, in "Leaves of Grass"
Lealdade.
A Lealdade é um Amor que Esquece o Mundo
Só se é realmente leal quando se está sujeito a alguém ou a algo. Aí, onde mesmo um sonho pode ser senhor. Na sujeição de quem serve uma causa, na sujeição de quem se submete a um chefe, na sujeição à pessoa amada, na sujeição do sentimento e na sujeição do dever, no sacrifício da liberdade, da razão e do interesse. No desperdício e no desprezo do que está à vista e do que está à mão, é nesta desagradável situação que se acha ou não acha a lealdade. É por ser selvagem e servil, mas só a um senhor, que a lealdade tem valor. É muito difícil ser-se leal, mas só porque é muito difícil seguirmos o coração. A lealdade é um amor que esquece o mundo.
Ao escolher um amigo, e ao ser-se amigo dele, rejeitam-se as outras pessoas. Quando estamos apaixonados, é através dessa pessoa que amamos a humanidade. O amor ocupa-nos muito. E para os outros, não fica quase nada.
Não se consegue ser leal ao ponto de calar o coração. Mas sofremos com as nossas deslealdades. Sabemos perfeitamente o que estamos a fazer, quem sacrificámos, e porquê. É por causa da consciência da nossa imperfeição que o ideal da verdadeira lealdade não pode ser abandonado ou alterado. O facto de ser incumprível não obriga a que se arranje uma versão softcore, mais cómoda e realista. É preciso aguentar. A lealdade é uma coisa tão cega e simples de determinar quanto é difícil de determinar quanto é difícil de seguir.
Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa'
Palavras que voam.
sábado, 31 de outubro de 2009
O Ofício
Escrevo para sentir nas veias
o voo da pedra.
Antecipação da paz
neste país de granadas
moldadas
no silêncio dos frutos.
Escrevo como quem escava
no bojo da sombra
um mar de claridade.
Pedras vivas de possibilidade
as palavras levantam
o crime, os pássaros do pântano
Escrevo
no grande espaço obscuro
que somos e nos inunda.
Casimiro de Brito, in "Jardins de Guerra"
Hoje aprendi...
Mar de amar...
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Nem tudo é dias de sol...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se
-Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E quando haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...
Fernando Pessoa
Sinto o teu perfume...
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Coisa Amar
Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
Manuel Alegre
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