
Casa museu Cristovão Colombo-Porto Santo.
Os Portosantenses (e não só)estão em festa, comemorando a chegada do Cristóvão á ilha.
Toda a noite, toda,
Cristóvão Colombo ouve passar os pássaros.
Vindos do abismo, sem fim, a rajadas,
milhares e milhares de pássaros. Sobre os mastros,
atravessando, perfurando as trevas, lá,
o ruído das asas dos pássaros.
Vindo do vazio, do abismo,
o ruído, o trino da vida sendo,
a orquestra inteira dos pássaros.
Pálida como a chama do farol, imóvel,
Cristóvão Colombo ouve trinar a vida,
passar os pássaros.
Cristóvão Colombo viu uma luz onde não há nada.
(O Almirante, não o adventício de Triana.)
Essa luz arde em algum lugar seco.
Tão seco, sem dúvida, como o lugar em que pousou a pomba.
Essa luz de algum fogo aceso pela mão de um homem.
Porque o fogo o que é senão a inteligência do homem!
Cristóvão Colombo buscou-o a vida toda, está certo.
A vida toda de pobreza, a vida toda.
Fogo de cozinhar peixe, ótimo fogo de abrigo.
Fogo para a mais terrível das cerimônias.
De tão pequeno que é não pode ser outra coisa,como é que vai ser.
Porque Cristóvão Colombo o buscou a vida toda, toda.
Por isso agora soluça só no convés
enquanto o último dos pássaros se funde vibrando na memória.
Sim, o último dos pássaros
—uno com a primeira
luz da aurora.
Cristóvão Colombo abre seu grosso diário.
Toma sua pena de ganso e equilibrando-a entre os dedos:
sangue, vida de besta feito coisa para o serviço do homem.
Molha a ponta no tinteiro de chifre, o Almirante, e vê
a brancura terrível da página. Sabe
o que está a sua espera desde o princípio de tudo. Virgem,
a sua espera desde que se assentaram as rocas e foi fixado
um limite para o capricho das ondas.
Cristóvão Colombo sente a vertigem com que lhe chama o abismo
da página,
mas, prudente, resiste e só com a ponta dos dedos
toca o alvo mágico.
Escrever a primeira palavra, será como começar a não ser, como
gerar ou como morrer, os dois extremos
que são uma e a mesma embriaguez, pavorosos princípios,
triunfos, catástrofes, glórias.
Toda a inacabável riqueza da urdidura - ouro de Aldebarão,
prata de Gêmeos, arquétipos do cervo e do leão,
do ébano, e do ônix,
toda a inesgotável riqueza lhe urge, soprando-lhe.
Vergado como uma cana,
vibrante de terror e de júbilo, por fim Cristóvão Colombo funde
sua pluma na página.
Começa então a invenção da América.
(De: Los días de tu vida, 1977)