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terça-feira, 28 de outubro de 2008
Indiferença.
A lua silenciosa passa ignorando os latidos; Assim os homens probos, calmos e honrados sorriem dos insultos e das línguas hipócritas .
Fonte: "Um Cão que Ladra à Lua"
Partes de mim.
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Ferreira Gullar
Redaxão
Texto (verídico) retirado de uma prova livre de Língua Portuguesa, realizada por um aluno do 9º ano, numa Escola Secundária das Caldas da Rainha (para ler, estarrecer e reflectir...!!!)
REDAXÃO
'O PIPOL E A ESCOLA'
Eu axo q os alunos n devem d xumbar qd n vam á escola. Pq o aluno tb tem
Direitos e se n vai á escola latrá os seus motivos pq isto tb é perciso ver q
á razões qd um aluno não vai á escola. Primeiros a peçoa n se sente motivada
Pq axa q a escola e a iducação estam uma beca sobre alurizadas.
Valáver, o q é q intereça a um bacano se o quelima de trásosmontes é munto
Montanhoso? Ou se a ecuação é exdruxula ou alcalina? Ou cuantas estrofes tem
Um cuadrado? Ou se um angulo é paleolitico ou espongiforme? Hã?
E ópois os setores ainda xutam preguntas parvas tipo cuantos cantos tem 'os
Lesiades''s, q é um livro xato e q n foi escrevido c/ palavras normais mas q no
Aspequeto é como outro qq e só pode ter 4 cantos comós outros, daaaah.
Ás veses o pipol ainda tenta tar cos abanos em on, mas os bitaites dos profes
até dam gomitos e a Malta re-sentesse, outro dia um arrotou q os jovens n tem
Abitos de leitura e q a Malta n sabemos ler nem escrever e a sorte do gimbras
Foi q ele h-xoce bué da rapido e só o 'garra de lin-chao' é q conceguiu
Assertar lhe com um sapato. Atão agora aviamos de ler tudo qt é livro desde o
Camóes até á idade média e por aí fora, qués ver???
O pipol tem é q aprender cenas q intressam como na minha escola q á um curço
De otelaria e a Malta aprendemos a faser lã pereias e ovos mois e piças de
Xicolate q são assim tipo as pecialidades da rejião e ópois pudemos ganhar um
Gravetame do camandro. Ah poizé. Tarei a inzajerar?
(Enviado por email)
REDAXÃO
'O PIPOL E A ESCOLA'
Eu axo q os alunos n devem d xumbar qd n vam á escola. Pq o aluno tb tem
Direitos e se n vai á escola latrá os seus motivos pq isto tb é perciso ver q
á razões qd um aluno não vai á escola. Primeiros a peçoa n se sente motivada
Pq axa q a escola e a iducação estam uma beca sobre alurizadas.
Valáver, o q é q intereça a um bacano se o quelima de trásosmontes é munto
Montanhoso? Ou se a ecuação é exdruxula ou alcalina? Ou cuantas estrofes tem
Um cuadrado? Ou se um angulo é paleolitico ou espongiforme? Hã?
E ópois os setores ainda xutam preguntas parvas tipo cuantos cantos tem 'os
Lesiades''s, q é um livro xato e q n foi escrevido c/ palavras normais mas q no
Aspequeto é como outro qq e só pode ter 4 cantos comós outros, daaaah.
Ás veses o pipol ainda tenta tar cos abanos em on, mas os bitaites dos profes
até dam gomitos e a Malta re-sentesse, outro dia um arrotou q os jovens n tem
Abitos de leitura e q a Malta n sabemos ler nem escrever e a sorte do gimbras
Foi q ele h-xoce bué da rapido e só o 'garra de lin-chao' é q conceguiu
Assertar lhe com um sapato. Atão agora aviamos de ler tudo qt é livro desde o
Camóes até á idade média e por aí fora, qués ver???
O pipol tem é q aprender cenas q intressam como na minha escola q á um curço
De otelaria e a Malta aprendemos a faser lã pereias e ovos mois e piças de
Xicolate q são assim tipo as pecialidades da rejião e ópois pudemos ganhar um
Gravetame do camandro. Ah poizé. Tarei a inzajerar?
(Enviado por email)
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
E por vezes.
E por vezes duram meses
E por vezes o meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro da noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E pro vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
(David Mourão-Ferreira)
Aleitamento materno.
domingo, 26 de outubro de 2008
Árvores.
Não me leves a mal,perdoa...
Não leves a mal, perdoa...
Mas a frieza que eu ponho
Nos meus beijos —
Não é cansaço, nem tédio.
O teu corpo
Tem o charme necessário
Para iludir ou prender,
E a tua boca
Tem o aroma dos cravos —
À tarde, ao anoitecer.
Não é cansaço, nem tédio.
É somente uma certeza
Que eu não sei como surgiu
Aqui — no meu coração:
Não, amor; não és aquele
Que o meu sonho distinguiu...
— Não queiras a realidade.
A realidade mentiu...
António Botto.
O vil metal.
Ouro amarelo, fulgurante, ouro precioso! (...) Basta uma porção dele para fazer do preto, branco; do feio, belo; do errado, certo; do baixo, nobre; do velho, jovem; do cobarde, valente. Ó deuses!, por que isso? O que é isso, ó deuses? (...) [O ouro] arrasta os sacerdotes e os servos para longe do seu altar, arranca o travesseiro onde repousa a cabeça dos íntegros. Esse escravo dourado ata e desata vínculos sagrados; abençoa o amaldiçoado; torna adorável a lepra repugnante; nomeia ladrões e confere-lhes títulos, genuflexões e a aprovação na bancada dos senadores. É isso que faz a viúva anciã casar-se de novo (...). Venha, mineral execrável, prostituta vil da humanidade (...) eu o farei executar o que é próprio da sua natureza.
William Shakespeare, in "Timão de Atenas"
sábado, 25 de outubro de 2008
Higiéne íntima.
Marc-Antoine Jacoud é conhecido como o inventor do bidé. Uma invenção francesa do final do século XVII ou do começo do XVIII, embora não se saiba exactamente a data e o inventor.
Existem teorias de que seu inventor seja Christophe Des Rosiers. Marceneiro da Família Real Francesa, pois a rainha de França, segundo ditos da própria história, sentia-se "suja", em não ter um recipiente para lavar as suas partes íntimas, encomendou tal peça aos marceneiros reais, os quais montaram uma peça em madeira, adaptada ao seu corpo.
A mais antiga referência escrita de que se tem notícia, a respeito do bidé data de 1710, mas só por volta de 1900, graças às melhorias dos sistemas de canalização das cidades, o bidé saiu do quarto e foi para o banheiro.
Detrás do espelho.
sou um rato
que comanda o mundo
que me comanda
os animais não verbalizam
mas (também) sentem
decidem
respondendo ao desafio
da sobrevivência
acumulando, estocando energia
sou um rato na troca permanente
de energia:
passado e presente
— indissociáveis:
sinergia.
II
sendo um rato, penso
por ação
acaso mentalizo
sem palavras
— reação.
o desafio é extremo!!! constante
o caminho da harmonia é arriscado
— entropia
fúria desintegradora da matéria
na dissolução dos elementos
(na individuação
do ente)
III
sendo um rato, uma dor de dente
perturba minhas convicções mais profundas
me desentranha;
a carência de proteína desfaz
a minha fé.
o espelho, do outro lado,
não me reflete
mas reflito:
a multiplicação / decadência
do da
(argumento de momento)
adensar-me de fora para dentro
estender-me
— extensão de mim
na resignificação desesperada
agÔnica.
IV
do lá de cá do espelho
há uma outra realidade
questiono
sobre a metade
amputada.
não consigo estar sozinho.
V
em sendo rato desenvolvo
meu olfato, meu tato
em contato com o mundo
minha pele é sensível e me orienta
pelo diálogo!!! pela dialética
(positivo – negativo)
dos confrontos, dos contrários
dos desencontros
(in)formação em meu sangue circulante
minha transformação
meus dedos pensantes
minhas mãos falantes
— meus horizontes
minhas penas, minhas pernas, meus ossos
instintos, intestinos, testículos
sentimentos, trocando experiência
com as pedras
os ventos
por alamedas (in)corpóreas
no ciclo tautológico do universo:
no entanto, portanto, me reciclo.
VI
um homem sem memória (que) se extingue
se desintegra regenera / recupera;
excede
na irreversibilidade da fatal
idade : paixão irreversível
na (des)organização sistêmica
endêmica, interdependência, instância
circunstância = homeostasia.
pré(conceitos) — convicções em crise
(re)(in)duzindo (in)certezas...
sentimentos em suspenso
transfiro minhas energias, matérias
cromossomos:
sobreviver é preciso
criar, recriar, fazer e refazer (-me)
indis pensável!!!
na irreversibilidade, na errância
(equilíbrio insustentável)
VII
sendo rato em relação com o mundo
— que se adensa em camadas de conflito
em reações e rearranjos
(in)controláveis, incontornáveis:
o nome se refaz, se renova
nas relações fortuitas, encontros azarosos
tentativas antinaturais de acomodação
que se desfazem pela inércia
que se auto-dissolvem
na corrente natural da
consciência / existência
(matéria e energia)
des / informação
desconstrução absoluta
abocanhando, ruminando, vomitando
padrões de relação / relações monitoradas
impossível parar!!! e sem retorno.
Luz! Esplendor!
o espelho reverberando
poder da tradição = fator de renovação
(Poema de António Miranda)
Frases de fim de semana!
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
Viagens na minha terra.
Relendo Almeida Garrett
Resumo
“Viagens na Minha Terra”, pode ser considerado um romance contemporâneo. Um livro difícil de enquadrar em género literário, pelo hibridismo que apresenta, além da viagem que de facto acontece, paralelamente o autor conta um romance sentimental.
O conteúdo da obra, parte, como já dissemos, de um facto real, uma viagem que Garrett fez a Santarém e que teve o cuidado de situar no tempo. Além da viagem real, Garrett, faz nas suas divagações, várias viagens paralelas. Tantas e tais viagens, que numa delas o leva justamente, e pela mão de um companheiro de itinerário, a centrar-se no drama sentimental de Carlos e a”menina dos rouxinóis”- Joaninha.
Resumo
“Viagens na Minha Terra”, pode ser considerado um romance contemporâneo. Um livro difícil de enquadrar em género literário, pelo hibridismo que apresenta, além da viagem que de facto acontece, paralelamente o autor conta um romance sentimental.
O conteúdo da obra, parte, como já dissemos, de um facto real, uma viagem que Garrett fez a Santarém e que teve o cuidado de situar no tempo. Além da viagem real, Garrett, faz nas suas divagações, várias viagens paralelas. Tantas e tais viagens, que numa delas o leva justamente, e pela mão de um companheiro de itinerário, a centrar-se no drama sentimental de Carlos e a”menina dos rouxinóis”- Joaninha.
O estrago que o álcool faz...
Grafitagem e exorcismo.
Ocupar muros envergonhados
espaços de pichar e depurar
minha angústia mais profunda
para exorcizar tanta frustração.
'Chega de merda no ventilador !!!
Quero ocupar os espaços públicos
ainda disponíveis, não contaminados
as paredes envilecidas das cidades
abandonadas – horror e vômito.
'Já falta ar e me sufoco !!!
Asfixia tanta sordidez, mijo
excrescências, gente esfacelada
disputando calçadas, indigência
valores apodrecidos, decepção.
'Quero o meu voto de volta !!!
Tanta desfaçatez, tamanha insídia
tanto cinismo e tanta sordidez.
Escorre uma gosma putrefacta
dos noticiários mais vis e canalhas.
'Meus tímpanos não aguentam mais !!!
Os jornais expelem ares venenosos
declarações despistadoras, viscerais.
Cospem, vociferam impropérios
numa pantomima dos horrores!
'Estou á beira do abismo!!!
'Abaixo todos os poderes prostituídos !!!
'Vou escrever paro os que não sabem ler !!!
Poema de Antonio Miranda
Viver Constância.
Programa Viver Constância
Protocolos vão ser assinados na próxima quarta-feira Na próxima quarta-feira, 29 de Outubro, a Câmara Municipal de Constância vai proceder a assinatura dos protocolos no âmbito do programa Viver Constância com os beneficiários do mesmo, um acto que terá lugar no Salão Nobre dos Paços do Concelho, às 18.00H.
Recorde-se que a Câmara Municipal de Constância criou e implementou o Viver Constância, um programa que pretende apoiar a conservação de habitações degradadas de agregados carenciados a residir no concelho.
Assim, sob a égide do Regulamento do Programa, tendo em conta a conjugação dos critérios sociais e económicos e, no que respeita às patologias das habitações, dando primazia às questões relativas à segurança da estrutura habitacional (telhados), foram apoiadas seis candidaturas, na freguesia de Santa Margarida da Coutada e na freguesia de Montalvo.
Estes agregados serão apoiados financeiramente, tal como contempla o regulamento, na execução das obras de conservação da habitação onde residem, sendo que a intervenção a realizar, comum a todas, será ao nível da recuperação dos telhados, necessitando também algumas delas de intervenção ao nível do pavimento e da instalação sanitária.
A Câmara Municipal de Constância realizará, nesta primeira edição do Programa Viver Constância, um investimento de cerca de 40 mil euros que permitirá, através de algumas obras de conservação, profundas transformações no modo e qualidade de vida de seis famílias constancienses
Por CMC
Á descoberta da Ribeira de Alcolobre.
À Descoberta da Ribeira de Alcolobre
Percurso Pedestre de Observação e Interpretação da Natureza - 8 de Novembro Descrição sumária da actividade: Percurso algo exigente do ponto de vista físico, devido ao terreno acidentado. Decorre numa zona onde o sobreiral, o montado de sobro e o olival tradicional ainda marcam a sua presença. Mas o grande ponto de interesse é a ribeira de Alcolobre que corre num vale profundo e rochoso, apresentado uma galeria ripícola bastante bem conservada.
Início: 8:45h
Distância: 7,5 km.
Duração média: 3h30.
Dificuldade: Considerável.
Preçário:
- Estudantes residentes no Concelho de Constância – Gratuito
- Estudantes residentes fora do Concelho – 1,50€
- Residentes no Concelho de Constância – 1,50€
- Outros – 2,50€
Local de encontro: Parque Ambiental de Santa Margarida
Actividade com inscrição obrigatória.
Por CMC
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Entre o puro e o obsceno.
Depois de teus sonetos ler e salivar
a revolver em busca de lascívia e mel
os vinte e cinco poemas, de um só tropel
e, acinte, é que fico aqui eu a cismar.
Se pode haver pornografia em amar
mesmo que o amor seja reverso e cruel
ainda que a soldo no mais reles bordel
ou mesmo na inversão de corpos a arfar.
Não seria no ato que se pratica
nem poderia estar naquele que fornica
ainda que na condição mais canalha
mesmo que nem seja amor, seja mortalha
imunda, perfídia, que só valha
o ditado: amor que fica é o de pica.
António Miranda
Ó sino da minha aldeia.
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Fernando Pessoa.
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Leis da natureza.
leis da natureza...
O seguro cobre tudo, menos o que aconteceu.
Quando estiveres apenas uma mão livre para abrir a porta, a chave estará no bolso oposto.
Quando tuas mãos estiverem sujas de graxa, vais começar a coçar no mínimo o nariz.
Quando pensas que as coisas parecem ter melhorado, é porque algo passou despercebido.
Sempre que as coisas parecem fáceis, é porque não atendestes a todas as instruções.
Se mantens a calma, quando todos perderam a cabeça, é porque não captaste o problema.
Os problemas não se criam, nem se resolvem, só se transformam.
Vais chegar ao telefone exatamente a tempo de ouvir quando o desligam.
Se só existirem dois programas na TV que vale a pena assistir, os dois passarão na mesma hora.
A velocidade do vento é diretamente proporcional ao preço do penteado.
Quando, depois de anos sem usar, decides arquivar alguma coisa, vais precisar dela na semana seguinte.
Sempre que chegares pontualmente a um encontro não haverá ninguém lá para comprovar, e se ao contrário te atrasares, todo mundo vai ter chegado antes de ti.
Faz-me o favor...
terça-feira, 21 de outubro de 2008
Há palavras que nos beijam.
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
Alexandre O'Neill.
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
As palavras.
As palavras saltitam, pululam,
estão soltas, sem amarras.
Palavras vivas.
Sons, movimentos, sentimentos.
Se não, estão
petrificadas,
feitas de letras
- arquiteturas banais.
As palavras não representam,
elas são,
estão além dos significados
- ou seria, mais, bem,
aquém?
Libertadas dos dicionários
pelos campos
pelas fábricas, pelos lugares
de sua gestação.
Originárias, necessárias.
Elas exercem um poder
tanto porque podemos com elas
apoderar-nos do mundo
(ou conhecer)
quanto elas nos governam
e orientam.
As palavras são a música
das coisas nomináveis;
as formas das coisas:
o próprio som
que elas emitem.
Podemos dar às palavras
o sentido que se queira
aprisiona-las em obras
de fina urdidura.
Mas nem sempre
-e felizmente –
as palavras levam à Razão,
vão ao imaginário
à beleza de sua condição:
as ondas equilibram o movimento
do mar, marmorizado nas palavras.
Podemos transformá-las
em textos decifráveis.
Esgarçá-las, montá-las
sobre uma superfície
limitante, e fria.
Não obstante, as palavras
estarão livres
vivificadas
quando poesia.
(António Miranda)
domingo, 19 de outubro de 2008
O verbo amar.
O verbo amar
Te amei: era de longe que te olhava
e de longe me olhavas vagamente...
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente sente,
que a alma da gente faz escrava.
Te amava: como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava.
Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando...
Te amar: é mais que em verbo é a minha lei,
e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!
(Poema de JG de Araujo Jorge
sábado, 18 de outubro de 2008
Do outro lado da vida
os ponteiros dos relógios em qualquer
direção, e as estações do ano trocadas:
não há roce nem orgasmo nem suores
mas o corpo está ávido, aflito
haja espera e esperança (e desconsolo)
no reverso incongruente da vida:
nesse viver em morte contígua
e exígua, irredutível, solerte
sentado na poltrona, aderno,
e o tempo, lá fora, estanca:
eu aqui dentro, a vida fora
de mim, exangue e ausente
— buscando lugares inexistentes
numa enteléquia de despistamentos
ou numa estratégia de inconformidade.
Poema de Antonio Miranda
Pense por si próprio.
Pense por si Próprio
Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles foram meus, não são seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição, venha a pensar o mesmo que eu; mas, nessa altura. já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.
Agostinho da Silva.
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Sonhos.
Literatura.
Sinopse
Três crianças órfãs atravessam o mundo para encontrar a felicidade.
1974
Em Adis Abeba, Solomon, um menino etíope de doze anos que perdeu a mãe, assiste à partida do pai para a guerra contra a Somália, de onde nunca regressará. Um programa de ajuda promovido pelo governo cubano mudará o rumo da sua vida.
Entretanto, numa pequena aldeia da Índia, Muna, uma órfã de onze anos é vendida pelos tios a um negociador de escravos. Muna vive o inferno, trabalhando 16 horas por dia, rodeada de moscas e pulgas. Mas a sua vida muda quando a levam para servir na casa de uma família abastada, em Bombaim.
Sita já tem seis anos e não guarda recordações da vida anterior à admissão no orfanato. O seu maior sonho é ter pais, como as outras meninas. Para realizar o seu desejo, terá de cruzar o globo.
2004
Trinta anos depois, o acaso reunirá estas três pessoas tão diferentes e as suas vidas convergirão em Barcelona, graças a um destino tão aleatório quanto inevitável.
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Dizer não.
Dizer Não
Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.
Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.
Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.
Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.
Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.
Diz NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra ela.
Diz NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.
Diz NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenanmo-nos em gado sob o comando de um pastor.
Diz NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque a justiça há-de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.
Diz NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a animal.
E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'
Sonha Alonso Quijano.
Desperta aquele homem de um indistinto
Sonho de alfanjes e de campo chão,
Toca de leve a barba com a mão
Duvidando se está ferido ou extinto.
Não irão persegui-lo os feiticeiros
Que juraram seu mal por sob a lua?
Nada. O frio apenas. Apenas sua
Amargura nos anos derradeiros.
Foi o fidalgo um sonho de Cervantes
E Dom Quixote um sonho do fidalgo.
O duplo sonho os confunde e algo
Está ocorrendo que ocorreu muito antes.
Quijano dorme e sonha. Uma batalha:
Os mares de Lepanto e a metralha.
(Miguel de Cervantes.)
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
Drummond.
QUIXOTE E SANCHO, DE PORTINARI
(trechos)
A minha casa pobre é rica de quimera
e se vou sem destino a trovejar espantos,
meu nome há de romper as mais nevoentas eras
tal qual Pentapolim, o rei dos Garamantas.
Rola em minha cabeça o tropel de batalhas
jamais vistas no chão ou no mar ou no inferno.
Se da escura cozinha escapa o cheiro de alho,
o que nele recolho é o olor da glória eterna.
Donzelas a salvar, há milhares na Terra
e eu parto em meu rocim, corisco, espada, grito,
o torto endireitando, herói de seda e ferro,
e não durmo, abrasado, e janto apenas nuvens,
na férvida obsessão de que enfim a bendita
Idade de Ouro e Sol baixe lá das alturas.
— Juntos na poeira das encruzilhadas conquistaremos a glória.
— E de que me serve?
— Nossos nomes ressoarão nos sinos
de bronze da História.
— E de que me serve?
— Jamais alguém, nas cinco partidas do mundo,
será tão grande.
— E de que me serve?
— As mais inacessíveis princesas se curvarão
à nossa passagem.
— E de que me serve?
— Pelo teu valor e pelo teu fervor
terás uma ilha de ouro e esmeralda.
— Isto me serve.
Que é loucura: ser cavaleiro andante
ou segui-lo como escudeiro?
De nós dois, quem o louco verdadeiro?
O que, acordado, sonha doidamente?
O que, mesmo vendado,
vê o real e segue o sonho
de um doido pelas bruxas embruxado?
Eis-me, talvez, o único maluco,
e me sabendo tal, sem grão de siso,
sou — que doideira — um louco de juízo.
Dorme, Alonso Quejana.
Pelejaste mais do que a peleja
(e perdeste).
Amaste mais do que amor se deixa amar.
O ímpeto
o relento
a desmesura
fábulas que davam rumo ao sem-rumo
de tua vida levada a tapa
e a coice d'armas,
de que valeu o tudo desse nada?
Vilões discutem e brigam de braço
enquanto dormes.
Neutras estátuas de alimárias velam
a areia escura de teu sono
despido de todo encantamento.
Dorme, Alonso, andante
petrificado
cavaleiro-desengano.
Gosto de teus lábios úmidos
ávido de murmúrios
para dentro do peito
feito
o que a mim recusas
em teu querer diurno
Gosto
de teu rosto parado
logo súbito achado
ao velejar dos olhos
escolhos
repletos de adeuses
em viagem de busca
Gosto
do ilimitado espaço
de teu andar suave
de ave
distância de barco
no azul da enseada
Gosto
de teus lábios úmidos
entretanto desertos
abertos
a meu êxtase lúcido
ávido de murmúrios.
(Florisval Mattos.)
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