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segunda-feira, 23 de novembro de 2009


Conduta e Poesia

Quando o tempo nos vai comendo com o seu relâmpago quotidiano decisivo, as atitudes fundadas, as confianças, a fé cega se precipitam e a elevação do poeta tende a cair como o mais triste nácar cuspido, perguntamo-nos se já chegou a hora de envilecermos. A hora dolorosa de ver como o homem se sustém a puro dente, a puras unhas, a puros interesses. E como entram na casa da poesia os dentes e as unhas e os ramos da feroz árvore do ódio. É o poder da idade, ou proventura, a inércia que faz retroceder as frutas no próprio bordo do coração, ou talvez o «artístico» se apodere do poeta e, em vez do canto salobro que as ondas profundas devem fazer saltar, vemos cada dia o miserável ser humano defendendo o seu miserável tesouro de pessoa preferida?
Aí, o tempo avança com cinza, com ar e com água! A pedra que o lodo e a angústia morderam floresce com prontidão com estrondo de mar, e a pequena rosa regressa ao seu delicado túmulo de corola.
O tempo lava e desenvolve, ordena e continua.
E que fica então das pequenas podridões, das pequenas conspirações do silêncio, dos pequenos frios sujos da hostilidade? Nada, e na casa da poesia não permanece nada além do que foi escrito com sangue para ser escutado pelo sangue.

Pablo Neruda, in "Nasci para Nascer"

4 comentários:

angela disse...

Forte!
beijos

Anónimo disse...

Bravo! Profundo, triste, mas sensível. Tão puro quanto a alma de um imortal poeta .

Beijos mil

Sylvia disse...

Verdade. Eu tambem nao aprecio os jogos artificiosos de palavras, vazios de conteudo. A poesia deve vir da alma, ou entao nao sera poesia.

Graça Pereira disse...

Verdadeiro, demasiado verdadeiro!! E ás vezes, a verdade dói..mas não deixa de ser belo!!
Um beijo
Graça