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quarta-feira, 3 de março de 2010

O Indiferente ...






Posso amar tanto louras como morenas,
A que cede à abundância e a que trai por pobreza,
A que busca a solidão e a que se mascara e brinca,
Aquela que o campo cultivou e a da cidade,
A que acredita, e a que hesita,
A que ainda lacrimeja com olhos esponjosos,
E a rolha seca que nunca chora.
Eu posso amar essa e esta, e tu, e tu,
Posso amar qualquer uma, desde que não seja leal.

Nenhum outro vício vos satisfará?
Não vos será útil fazer como as vossas mães?
Ou, gastos todos os velhos vícios, inventaram novos?
Ou atormenta-vos o medo de que os homens sejam fiéis?
Oh, não o somos, não o sejais vós também,
Deixai-me conhecer, eu e vós, mais de vinte.
Roubem-me, mas não me prendam, deixai-me ir.
Devo eu, que vim a estas dores através de vós
Tornar-me vosso fiel súbdito, porque sois leais?

Vénus ouviu-me suspirar esta canção,
E pela maior doçura do amor, a variedade, jurou
Que a não ouvira até então, e não mais seria assim.
E foi-se, investigou, e depressa regressando
Disse: «Enfim, existem umas duas ou três
Pobres heréticas do amor
Que pretendem instaurar a perigosa constância.
Mas eu disse-lhes: Dado que pretendeis ser leais,
Sereis leais para com aqueles que vos sejam falsos.»

John Donne.

terça-feira, 2 de março de 2010

A Proibição.




Tem cuidado ao amar-me.
Pelo menos, lembra-te que to proibi.
Não que restaure o meu pródigo desperdício
De alento e sangue, com teus suspiros e lágrimas,
Tornando-me para ti o que foste para mim,
Mas tão grande prazer desgasta a nossa vida duma vez.
Para evitar que teu amor por minha morte seja frustrado,
Se me amas, tem cuidado ao amar-me.

Tem cuidado ao odiar-me,
E com os excessos do triunfo na vitória,
Ou tornar-me-ei o meu próprio executor,
E do ódio com igual ódio me vingarei.
Mas tu perderás a pose do conquistador,
Se eu, a tua conquista, perecer pelo teu ódio:
Então, para evitar que, reduzido a nada, eu te diminua,
Se tu me odeias, tem cuidado ao odiar-me.

Contudo, ama-me e odeia-me também.
Assim os extremos não farão o trabalho um do outro:
Ama-me, para que possa morrer do modo mais doce;
Odeia-me, pois teu amor é excessivo para mim;
Ou deixa que ambos, eles e não eu, se corrompam
Para que, vivo, eu seja teu palco e não teu triunfo.
Então, para que o teu amor, ódio, e a mim, não destruas,
Oh, deixa-me viver, mas ama-me e odeia-me também.

John Donne

Digam-me.,


O amor está compreendido na amizade ou a amizade está compreendida no amor ?

O Amor não Existe sem Ciúme




Se o ciúme nasce do intenso amor, quem não sente ciúmes pela amada não é amante, ou ama de coração ligeiro, de modo que se sabe de amantes os quais, temendo que o seu amor se atenue, o alimentam procurando a todo o custo razões de ciúme.
Portanto o ciumento (que porém quer ou queria a amada casta e fiel) não quer nem pode pensá-la senão como digna de ciúme, e portanto culpada de traição, atiçando assim no sofrimento presente o prazer do amor ausente. Até porque pensar em nós que possuímos a amada longe - bem sabendo que não é verdade - não nos pode tornar tão rico o pensamento dela, do seu calor, dos seus rubores, do seu perfume, como o pensar que desses mesmos dons esteja afinal a gozar um Outro: enquanto da nossa ausência estamos seguros, da presença daquele inimigo estamos, se não certos, pelo menos não necessariamente inseguros. O contacto amoroso, que o ciumento imagina, é o único modo em que pode representar-se com verosimilhança um conúbio de outrem que, se não indubitável, é pelo menos possível, enquanto o seu próprio é impossível.
Assim o ciumento não é capaz, nem tem vontade, de imaginar o oposto do que teme, aliás só pode obter o prazer ampliando a sua própria dor, e sofrer pelo ampliado prazer de que se sabe excluído. Os prazeres do amor são males que se fazem desejar, onde coincidem a doçura e o martírio, e o amor é involuntária insânia, paraíso infernal e inferno celeste - em resumo, concórdia de ambicionados contrários, riso doloroso e friável diamante.

Umberto Eco, in 'A Ilha do Dia Antes'

segunda-feira, 1 de março de 2010

Egoísmo...


O amor é um egoísmo a dois ...

Cansaço.


Ondas que rebentam
sobre a areia da praia
espuma branca
dissolvem a marca dos meus pensamentos...
Tudo se expraia
numa neblina cinzenta
cerrada...
Cerro os olhos
sinto o horizonte
triste
cansado...

A Profundidade da Nossa Separação.




O homem está dividido dentro de si. A vida volta-se contra si própria através da agressão, do ódio e do desespero. Estamos habituados a condenar o amor-próprio; mas aquilo que pretendemos realmente condenar é o oposto do amor-próprio. É aquela mistura de egoísmo e aversão por nós próprios que permanentemente nos persegue, que nos impede de amar os outros e que nos proíbe de nos perdermos no amor com que somos eternamente amados. Aquele que é capaz de se amar a si próprio é capaz de amar os outros; aquele que aprendeu a superar o desprezo por si próprio superou o seu desprezo pelos outros.

Mas a profundidade da nossa separação reside, justamente, no facto de não sermos capazes de um grande amor, clemente e divino, por nós próprios. Pelo contrário, existe em cada um de nós um instinto de autodestruição, tão forte como o nosso instinto de autopreservação. Na nossa tendência para maltratar e destruir os outros existe uma tendência, visível ou oculta, para nos maltratarmos e nos destruirmos.
A crueldade para com os outros é sempre também crueldade para com nós próprios. Deste modo, o estado de toda a nossa vida é o distanciamento dos outros e de nós próprios, porque estamos distanciados da Razão do nosso ser, porque estamos distanciados da origem e do objectivo da nossa vida. E não sabemos de onde viemos nem para onde vamos. Estamos separados do mistério, da profundidade e da grandeza da nossa existência. Ouvimos a voz dessa profundidade, mas os nossos ouvidos estão fechados. Sentimos que algo radical, total e incondicional nos é exigido; mas rebelamo-nos contra isso, tentamos fugir à sua urgência e não aceitamos a sua promessa.

Paul Tillich, in 'És Aceite'

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Vanessa-Mae plays Toccata & Fugue

Acasos...


As pessoas entram em nossa vida por acaso, mas não é por acaso que elas cá ficam...

O amor é o amor



O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...

O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois?
espírito e calor!

O amor é o amor - e depois?!

Alexandre O´Neil

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Remédio para o amor...


A melhor cura para o amor é ainda aquele remédio eterno: amor retribuído.

Vangelis - conquest of paradise

Abraçar o Mundo.


Abraço-me
mas ao abraçar-me
quero sentir paz
que o amor e a serenidade
no mundo
seja o pão nosso de cada dia
numa quietude intensa
num amor profundo...
Abraço-me
mas ao abraçar-me
quero sentir a alegria
brilhar no rosto de uma criança
a claridade que o sol espalha sobre a terra
brilhante
repleta de esperança...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Atchimmmm




Bom fim de semana para todo o mundo.

.

Momentos...


Se nos lembrarmos melhor dos bons momentos, para que servem os maus?

A Morte o Amor a Vida




Julguei que podia quebrar a profundeza a
[imensidade
Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco
Estendi-me na minha prisão de portas virgens
Como um morto razoável que soube morrer
Um morto cercado apenas pelo seu nada
Estendi-me sobre as vagas absurdas
Do veneno absorvido por amor da cinza
A solidão pareceu-me mais viva que o sangue

Queria desunir a vida
Queria partilhar a morte com a morte
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida
Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro
[nem o orvalho
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro
Havia eliminado o gelo das mãos postas
Havia eliminado a invernal ossatura
Do voto de viver que se anula

Tu vieste o fogo então reanimou-se
A sombra cedeu o frio de baixo iluminou-se de
[estrelas
E a terra cobriu-se
Da tua carne clara e eu senti-me leve
Vieste a solidão fora vencida
Eu tinha um guia na terra
Sabia conduzir-me sabia-me desmedido
Avançava ganhava espaço e tempo
Caminhava para ti dirigia-me incessantemente
[para a luz
A vida tinha um corpo a esperança desfraldava
[as suas velas
O sono transbordava de sonhos e a noite
Prometia à aurora olhares confiantes
Os raios dos teus braços entreabriam o nevoeiro
A tua boca estava húmida dos primeiros orvalhos
O repouso deslumbrado substituía a fadiga
E eu adorava o amor como nos meus primeiros
[tempos

Os campos estão lavrados as fábricas irradiam
E o trigo faz o seu ninho numa vaga enorme
A seara e a vindima têm inúmeras testemunhas
Nada é simples nem singular
O mar espelha-se nos olhos do céu ou da noite

A floresta dá segurança às árvores
E as paredes das casas têm uma pele comum
E as estradas cruzam-se sempre
Os homens nasceram para se entenderem
Para se compreenderem para se amarem
Têm filhos que se tornarão pais dos homens
Têm filhos sem eira nem beira
Que hão-de reinventar o fogo
Que hão-de reinventar os homens
E a natureza e a sua pátria
A de todos os homens
A de todos os tempos.

Paul Eluard, in "Algumas das Palavras"

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A Cidade do Sonho ...




Sofres e choras? Vem comigo! Vou mostrar-te
O caminho que leva à Cidade do Sonho...
De tão alta que está, vê-se de toda a parte,
Mas o íngreme trajecto é florido e risonho.

Vai por entre rosais, sinuoso e macio,
Como o caminho chão duma aldeia ao luar,
Todo branco a luzir numa noite de Estio,
Sob o intenso clamor dos ralos a cantar.

Se o teu ânimo sofre amarguras na vida,
Deves empreender essa jornada louca;
O Sonho é para nós a Terra Prometida:
Em beijos o maná chove na nossa boca...

Vistos dessa eminência, o mundo e as suas
[sombras,
Tingem-se no esplendor dum perpétuo arrebol;
O mais estéril chão tapeta-se de alfombras,
Não há nuvens no céu, nunca se põe o Sol.

Nela mora encantada a Ventura perfeita
Que no mundo jamais nos é dado sentir...
E a um beijo só colhido em seus lábios de Eleita,
A própria Dor começa a cantar e a sorrir!

Que importa o despertar? Esse instante divino
Como recordação indelével persiste;
E neste amargo exílio, através do destino,
Ventura sem pesar só na memória existe...

António Feijó, in 'Sol de Inverno'

Dia Mundial da Poesia


Dia Mundial da Poesia e a Escritora Ana de Castro Osório são destaques do mês de Março na Biblioteca Municipal
Prosseguindo a sua estratégia de promoção do livro e da leitura a Biblioteca Municipal Alexandre O´Neill tem planeada, para o mês de Março, uma agenda com múltiplas actividades.

Assim, para além das novidades literárias e audiovisuais e das actividades regulares de desenvolvimento da literacia, neste mês de Março terão lugar as seguintes iniciativas: segundas-feiras, a partir das 14h00, Conhece a Biblioteca; quartas-feiras, a partir das 10h30 a Hora do Conto, com A saquinha da flor de Matilde Rosa Araújo; sextas-feiras, a partir das 15h00, DVDteca à Sexta, cujas sessões terão o seguinte calendário: dia 5 Espião Acidental, dia 12, Valiant: Os Bravos do Pelotão, dia 19, Ela, Eu e o Outro, 26; A Bíblia em Animação: Criação e Dilúvio, o Fim do Paraíso e a Arca de Noé.

A mostra bio-bibliográfica deste mês pretende dar a conhecer a vida e obra da escritora Ana de Castro Osório, feminista e activista republicana, é considerada a fundadora da literatura infantil no nosso país. Ana de Castro Osório escreveu alguns livros que foram utilizados como manuais escolares, havendo outros títulos dignos de realce tais como: A Minha Pátria, As Mulheres Portuguesas (em que alia o feminismo a uma postura patriótica) e A Mulher no Casamento e no Divórcio (uma tomada de posição sobre a problemática do divórcio, que seria objecto de legislação por parte de Afonso Costa. Ana de Castro Osório criou também a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.

Para comemorar o Dia Mundial da Poesia, a Biblioteca vai oferecer aos seus utilizadores, poemas de grandes nomes da nossa literatura, de que são exemplo Camões, Pessoa, Espanca, O’Neill ou Sophia. Integrado na mesma comemoração convidará também os seus leitores a compor, a desenhar e a pintar poesia, criando Uma árvore feita de Poesia.

Para informações ou esclarecimentos adicionais sobre as múltiplas iniciativas deverão os interessados contactar a Biblioteca Municipal Alexandre O´Neill através do número de telefone 249 739 367 ou via correio electrónico para biblioteca@cm-constancia.pt.Leia mais. Viva mais.
Por cmc

Literatura.



O outro lado da sereia
Mia Couto.

Sinopse

Viagens diversas cruzam-se neste romance: a de D. Gonçalo da Silveira, a de Mwadia Malunga e a de um casal de afro-americanos. O missionário português persegue o inatingível sonho de um continente convertido, a jovem Mwadia cumpre o impossível regresso à infância e os afro-americanos seguem a miragem do reencontro com um lugar encantado. Outras personagens atravessam séculos e distâncias: o escravo Nimi, à procura das areias brancas da sua roubada origem. A própria estátua de Nossa Senhora, viajando de Goa para África, transita da religião dos céus para o sagrado das águas. E toda uma aldeia chamada Vila Longe atravessa os territórios do sonho, para além das fronteiras da geografia e da vida.

As diferentes viagens entrecruzam-se numa narrativa mágica, por via de uma mesma escrita densa e leve, misterios e poética de um dos mais consagrados escritores da língua portuguesa.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Dança da solidão.

Viver


São poucos os que vivem o presente; a maioria aguarda para viver mais tarde ...

Constato...


Constantemente
com factos e não argumentos
constato
que neste mundo oval
se escreve por linhas tortas
que não gira, mas patina
no eixo dos sentimentos...
Desgraças alheias e não só
neste planeta parcial
em que uns mais que outros
padecem todos do mesmo mal.
O amor já não é lema
o egoísmo é uma constante
valores são utopia
num mundo virado ao contrário
envolto em fantasia...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Originalidade.


Cada um de nós deve inventar o seu caminho ...

Como Te Tens Lembrado Hoje de Mim?




Nós, pobres mulheres, apesar do nosso imenso e frágil orgulho, não somos, afinal, mais do que argila que as mãos deles moldam a seu belo capricho. Feliz da argila que, no seu caminho, encontra, como eu, o estatuário que a vai moldando a acariciá-la! Gosto tanto de ti que me não revolto, eu, a eterna revoltada, aquela que teve sempre por coração um oceano imenso a que ninguém jamais descobrira o fundo. Como te tens lembrado hoje de mim? Com saudades? Com desejos de me beijar? Com tristeza? Como? Gostava tanto, tanto de saber a cor dos teus pensamentos quando são meus! Queria que eles fossem roxos, como os lilases, ou cor-de-rosa como os beijos que eu te dou. Tenho saudades, saudades, saudades. Reparei agora para uma coisa: é curioso como eu não sou capaz de vestir um vestido alegre quando tu não vens. Já segunda-feira vesti o vestido preto e hoje sem pensar fui vesti-lo outra vez. E é verdade que eu ando de luto, de luto por uns beijos que trago e que se não dão e que morrem de frio longe da tua boca; queres luto mais triste? Meu amigo, tu és muito mau que me não quiseste hoje ao pé de ti.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"

Literatura.

Pensatempos.

Mia Couto.


Com estes Pensatempos se publica, pela primeira vez, em Portugal, um livro de Mia Couto que não se localiza no território da ficção literária. Esta colecção de textos reúne, sim, artigos de opinião e intervenções que o escritor Mia Couto realizou nos últimos anos, dentro e fora de Moçambique. São textos dispersos e diversos, abrangendo uma área vasta de preocupações. Em todos eles, porém, está presente não apenas o escritor mas o cidadão envolvido com os problemas do seu tempo. Nestes Pensatempos transparece a preocupação de provocar debate, sugerindo alternativas inovadoras, questionando modelos de pensamento e interrogando os lugares-comuns que aprisionam o nosso olhar perante os desafios da actualidade. O prazer já encontrado na escrita de quem se diz estar reinventando a língua portuguesa ressurge agora no gosto de pensar o nosso mundo e o nosso tempo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Tempo.


Não importa ao tempo o dia que passa, mas o dia que vem ...

Uma Mulher sem Areia Nenhuma .




Tenho o santo horror da frieza calculada, da boa educação, do prudente juízo duma mulher. Aos homens pertence tudo isso, e a mulher deve ser muito feminina, muito espontânea, muito cheia de pequeninos nadas que encantem e que embalem. Meu amigo, se esperas ter uma mulher sem areia nenhuma, morres de aborrecimento e de frio ao pé dela e não será com certeza ao pé de mim... Comigo hás-de ter sempre que pensar e que fazer. Hás-de rir das minhas tolices, hás-de ralhar quando elas passarem a disparates (hão-de ser pequeninos...) e hás-de gostar mais de mim assim, do que se eu fosse a própria deusa Minerva com todo o juízo que todos os deuses lhe deram.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"

Magia do amor!


Encanto
sedução irresistível
feitiço de encantar
magia
de um amor indivisível
integral
orgia...
Extasi
embevecido e fascinado
extasiado por um amor ardente
que sufoca
inquieta
numa ansiedade demente
que arde
que queima
intenso,vivo
violento
amor incandescente...

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Timidez...


A timidez é um grande pecado contra o amor ...

Porque Andas tão Alegre?




Porque andas tu tão alegre quando eu me sinto triste, desesperadamente triste? Custa tanto ser desprezada quando se tem a consciência imaculada, como um arminho que coisa alguma fosse capaz de manchar! Custa tanto! Passo as noites e os dias na mesma ânsia febril, na mesma indecisão de farrapo ao vento, no mesmo não saber o que quero, o que hei-de pensar, o que hei-de, o que devo fazer. Tenho um culto pela minha dignidade de mulher, tenho o orgulho, o santo orgulho de ser sempre a mesma criatura que a vida, tão cheia de lama, não conseguiu salpicar. E assim, tudo em mim são sombras, indecisões, murmúrios, coisas que não entendo bem, que não distingo bem. Amigo, compreende-me e sente que eu não estou, que eu não posso estar alegre. Olha a minh'alma como se ela fosse uma pobre andorinha ferida que batesse as asas desesperadamente. Tenho medo, medo do futuro, medo do mundo, medo da vida que foi sempre má para mim. Tenho visto sempre a felicidade correr-me por entre os dedos como água límpida que coisa alguma sustém; tenho visto passar tudo, morrer tudo em volta de mim, como fantasmas que passassem ao longe, numa estrada cheia de sombras. E era tão bom ser feliz! Se eu pudesse algum dia ser um bocadinho feliz! Encostar a minha cabeça ao teu ombro, sorrir-te com os meus olhos que têm sido sempre tão tristes! Contar-te tudo, dizer-te tudo, mostrar-te o meu coração aberto de par em par como uma janela enorme que o luar iluminasse, que o luar vestisse de branco! Sentir-te os passos e correr para ti, com as loucas saudades dumas horas que tivessem sido anos! Tudo isto, tudo isto eu queria enfim, toda esta ternura eu queria enfim que me envolvesse como um perfume violento que me embriagasse. Tu andas contente e andas contente porquê?! Tu não vês, não sentes que não é possível a felicidade assim completa, absoluta como nós a queremos? A vida não é a imaginação, não é a fantasia, não é o sonho, a vida tem coisas a que nós temos de olhar e que são tão feias e tão más! Faz-me mal, às vezes, a tua alegria, como se ela fosse um sacrilégio. Ampara-me, ensina-me a crer, a ter confiança, diz a verdade mas a verdade que seja boa que me não faça chorar como esta verdade que eu trago dentro de mim como uma chaga a doer sempre. Entremos na vida e não sonhemos. Vamos os dois encarar de frente sem medo e sem cobardias a vida tal qual ela é para nós. Não façamos, pelo amor de Deus, castelos no ar que eles caem sempre e eu sou, infelizmente, da natureza das heras que se agarram com ânsia a todas as ruínas por tristes e escuras que sejam. Não me digas nada que não tenhas a certeza, a absoluta certeza de poder realizar, na minha, na nossa vida.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"

Amanhece incoerentemente...


Amanhece
raia o dia
alvorecem novas idéias
em caminhos branqueados
lúcidos e perspicazes
num branco alvorecer.
Aclara
torna-se branco,pouco a pouco
progressivamente
novas idéias
vidas novas para viver
entre o palco e a plateia
espaço entre a vida e o parecer
num envelhecer incoerente!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Remorsos:


o depósito no fundo do copo da vida ...

Recordam-se Vocês do Bom Tempo d'Outrora !





Recordam-se vocês do bom tempo d'outrora,
Dum tempo que passou e que não volta mais,
Quando íamos a rir pela existência fora
Alegres como em Junho os bandos dos pardais?
C'roava-nos a fronte um diadema d'aurora,
E o nosso coração vestido de esplendor
Era um divino Abril radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na balsâmina em flor.
Que doiradas canções nossas bocas vermelhas
Não lançaram então perdidas pelo ar!...
Mil quimeras de glória e mil sonhos dispersos,
Canções feitas sem versos,
E que nós nunca mais havemos de cantar!
Nunca mais! nunca mais! Os sonhos e as esp'ranças
São áureos colibris das regiões da alvorada,
Que buscam para ninho os peitos das crianças.
E quando a neve cai já sobre a nossa estrada,
E quando o Inverno chega à nossa alma,então
Os pobres colibris, coitados, sentem frio,
E deixam-nos a nós o coração vazio,
Para fazer o ninho em outro coração.
Meus amigos, a vida é um Sol que chega ao cúmulo
Quando cantam em nós essas canções celestes;
A sua aurora é o berço, e o seu ocaso é o túmulo
Ergue-se entre os rosais e expira entre os ciprestes.
Por isso, quando o Sol da vida já declina,
Mostrando-nos ao longe as sombras do poente,
É-nos doce parar na encosta da colina
E volver para trás o nosso olhar plangente,
Para trás, para trás, para os tempos remotos
Tão cheios de canções, tão cheios de embriaguez,
Porque, ai! a juventude é como a flor do lótus,
Que em cem anos floresce apenas uma vez.

E como o noivo triste a quem morreu a amante,
E que ao sepulcro vai com suas mãos piedosas
Sobre um amor eterno — o amor dum só instante —
Deixar uma saudade e uma c'roa de rosas;
Assim, amigos meus, eu vou sobre um tesouro,
Sobre o estreito caixão, pequenino, infantil,
Da nossa mocidade, — a cotovia d'ouro
Que nasceu e morreu numa manhã d'Abril! —
Desprender, desfolhar estas canções sem nexo,
Estas pobres canções, tão simples, tão banais,
Mas onde existe ainda um pálido reflexo
Do tempo que passou, e que não volta mais.

Guerra Junqueiro, in 'A Musa em Férias'

Tenho Saudades da Carícia dos Teus Braços .




Tenho saudades da carícia dos teus braços, dos teus braços fortes, dos teus braços carinhosos que me apertam e que me embalam nas horas alegres, nas horas tristes. Tenho saudades dos teus beijos, dos nossos grandes beijos que me en¬tontecem e me dão vontade de chorar. Tenho saudades das tuas mãos (...) Tenho saudades da seda amarela tão leve, tão suave, como se o sol andasse sobre o teu cabelo, a polvilhá-lo de oiro. Minha linda seda loira, como eu tenho vontade de te desfiar entre os meus dedos! Tu tens-me feito feliz, como eu nunca tivera esperanças de o ser. Se um dia alguém se julgar com direitos a perguntar-te o que fizeste de mim e da minha vida, tu dize-lhe, meu amor, que fizeste de mim uma mulher e da minha vida um sonho bom; podes dizer seja a quem for, a meu pai como a meu irmão, que eu nunca tive ninguém que olhasse para mim como tu olhas, que desde criança me abandonaram moralmente que fui sempre a isolada que no meio de toda a gente é mais isolada ainda. Podes dizer-lhe que eu tenho o direito de fazer da minha vida o que eu quiser, que até poderia fazer dela o farrapo com que se varrem as ruas, mas que tu fizeste dela alguma coisa de bom, de nobre e de útil, como nunca ninguém tinha pensado fazer. Sinto-me nos teus braços de¬fendida contra toda a gente e já não tenho medo que toda a lama deste mundo me toque sequer.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Simon & Garfunkel - The Boxer

Mar imenso...




Mar
uma imensa tristeza
despertas no meu coração
ao mesmo tempo dás me paz
tranquilidade
na tua imensidão.
Mar revoltado
profundo
amargurado
no cristalino de tuas águas
sofro as minhas mágoas...
Tuas ondas
enrolam na areia
molhando os meus pés
envolvendo o meu corpo em arrepios
de outras marés.

Fim de semana.




Para todo o mundo.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Passado.


O passado existe quando se está infeliz ...

Amar não é Ser Egoísta.




Tenho a certeza que tu és o meu maior amigo, o mais dedicado, o melhor de todos. Como eu o vi hoje bem! Como tu és leal e bom! Tão diferente de todos os outros homens que para te pagar o que no futuro hei-de dever-te, será pequena a minha vida inteira, mesmo que ela seja imensa. Os outros, amando as mulheres, são como os gatos que quando acariciam, é a eles que acariciam. Amar não é ser egoísta, é tantas, tantas vezes o sacrifício de nós próprios! A dedicação de todos os instantes, um interesse sem cálculo, uns cuidados que em pequeninas coisas se revelam e o pensamento constante de fazer a felicidade de quem se ama.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"

Poço sem fundo.


Dentro de mim
há um poço sem fundo
onde por vezes me sento
penso
e olho o mundo!
Em dias de sol
raios brilhantes
penetram no seu interior
refletem profundamente
o sentir
o viver
o amor...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Silêncio


O silêncio, o que é o silêncio? perguntei ao mestre. - Uma floresta cheia de ruído

(Casimiro Brito.)

II Beijo Subaquático


II Beijo Subaquático + longo na Piscina Municipal
Dia dos Namorados
Celebrado em Constância Para comemorar o Dia dos Namorados, que se assinalou a 14 de Fevereiro, os Serviços de Desporto da Câmara Municipal de Constância promoveu pelo 2º ano consecutivo a actividade Beijo Subaquático + longo, a qual decorreu no dia 12 de Fevereiro.

Lembramos que um beijo activa até 30 músculos faciais, faz acelerar o batimento cardíaco e se durar três minutos queima até 15 calorias.

Sandra Quintas e Luis Gonçalves Gavazzi foi o casal amado vencedor, com um novo recorde de 1 minuto 18 segundos 25 centésimos, em segundo lugar com 46 segundos 99 centésimas ficaram Mariza Brasil e António Camacho Soares, sendo o terceiro lugar do pódio ocupado por Fernanda Alves e Fernando Rosas com 18 segundos e 87 centésimas. Maria dos Santos Conceição e Eduardo Conceição, foram o quarto casal participante, conseguindo ficar 12 segundos e 01 centésimas debaixo de água.

Os casais participantes no II Beijo Subaquático + longo receberam vários prémios aliciantes, nomeadamente: 1º Prémio – No dia 13: 2 Bilhetes de Cinema e Estadia de uma noite para duas pessoas na região. No dia 14: Passeio de Barco no Tejo e Almoço Romântico para duas pessoas. 2º Prémio – No dia 13: 2 Bilhetes de Cinema. No dia 14: Passeio de Barco no Tejo e Almoço Romântico para duas pessoas. 3º Prémio – No dia 13: 2 Bilhetes de Cinema. No dia 14: Passeio de Barco.
Por CMC

A Forma Justa




Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

vida


Que todos os que se aproximarem de mim, tenham vontade de cantar, esquecendo as amarguras da vida !

Amar Intensamente .




De que vale no mundo ser-se inteligente, ser-se artista, ser-se alguém, quando a felicidade é tão simples! Ela existe mais nos seres claros, simples, compreensíveis e por isso a tua noiva de dantes, vale talvez bem mais que a tua noiva de agora, apesar dos versos e de tudo o mais. Ela não seria exigente, eu sou-o muitíssimo. Preciso de toda a vida, de toda a alma, de todos os pensamentos do homem que me tiver. Preciso que ele viva mais da minha vida que da vida dele. Preciso que ele me compreenda, que me adivinhe. A não ser assim, sou criatura para esquecer com a maior das friezas, das crueldades. Eu tenho já feito sofrer tanto! Tenho sido tão má! Tenho feito mal sem me importar porque quando não gosto, sou como as estátuas que são de mármore e não sentem.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"

Mar profundo!


Inércia,sono de chumbo
sono pesado
sono profundo
letargia,indiferença
hipnose,sonolência...
Mergulho silenciosamente
no meu inconsciente
procuro a diferença
entre um mundo e outro.
Suspiro profundo
fecho os olhos
habito as profundezas do mar...

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Livro/vida.


Livro, quando te fecho, abro a vida

Pablo Neruda.)

Deve Ser Tão Bom Ser Alegre .




Deve ser tão bom ser alegre, ser feliz, não é verdade? Ter a alma quente como o estofo de um ninho, ser pequenino em tudo até nos desejos, que bom deve ser, não deve? Os corações pequeninos, os modestos, são sempre tão bondosos, tão quentes! O meu anda à solta, tão grande, tão ambicioso, tem sempre frio, está sempre só... Ninguém sabe andar com ele! E nota, minha Júlia, que eu não sou como muitas mulheres que querem ser tristes, que só se encontram bem na solidão, que procuram a paz, o silêncio e a indiferença de todos; que cultivam no peito com extremos de amor todas as saudades, que acariciam e albergam todas as dores! Eu não, eu expulso, desesperada, todas as lágrimas, eu procuro aquecer-me a todos os risos, comprimo sempre o coração para o fazer pequenino, estendo os ouvidos a todas as canções, olho ao longe, de olhos muito abertos, todos os céus.
E é sempre em vão! E os risos calam-se quando eu quero ouvir, e os meus pobres olhos tristes cegam-se a todas as claridades. Mas agito sempre os guizos, faço sempre barulho, um barulho infernal cheio de vida, de alegria, imito todos os risos e cá dentro é noite... e cumprimentam-me todos pelo meu génio alegre e «divertido»... Tem graça, pois não tem, minha Júlia? Se soubessem como sou hipócrita! Que horror todos teriam de mim! Assim sou... muito sincera, de uma franqueza que chega muitas vezes à brutalidade (dizem os que me conhecem muito bem) e sou... extremamente alegre, não há tristezas que me cheguem nem venturas que me fujam!

Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"

Pontes...


Ponte que me ligas á vida
transpôes descaminhos
interligas os sonhos
entre o espaço branco
das páginas de um livro...
Direcções opostas
desconformes
distante entre a realidade
e o sonho
tão perto da vida
e da transição para a outra margem...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Não Sou nada Mulher ...




Eu não sou em muitas coisas, nada mulher; pouco de feminino tenho em quase todas as distracções da minha vida. Todas as ninharias pueris em que as mulheres se comprazem, toda a fina gentileza duns trabalhos em seda e oiro, as rendas, os bordados, a pintura, tudo isso que eu admiro e adoro em todas as mãos de mulher, não se dão bem nas minhas, apenas talhadas para folhear livros que são verdadeiramente os meus mais queridos amigos e os meus inseparáveis companheiros. Zango-me comigo própria, tento fazer qualquer coisa, mas a leveza aérea das sedas, a fluidez ideal das rendas, fazem tremer-me as mãos que não tremem nunca ao folhear os livros que mais fatigam toda a gente, irritam-me e maçam-me a um ponto que tenho de atirar com aquilo tudo para outro regaço mais de mulher, mais cariciante, mais doce e com todas as carícias e doçuras que o meu não teve, não tem e não terá nunca. Que desconsolo ser assim, minha Júlia! Ter apenas paciência para penetrar os arcanos duma alma que se fecha nas páginas dum livro; ter apenas gosto em chorar com António Nobre, pensar com Vítor Hugo, troçar com Fialho de Almeida e rir suavemente, deliciosamente, com uma pontinha de ironia onde às vezes há lágrimas, com Júlio Dantas! Eu não devia ser assim, não é verdade? Mas sou... Tive os melhores professores de tudo na capital do Alentejo (que se são melhores não são bons), de bordados, de pintura, de música, de canto, e afinal sou uma eterna curiosa de livros e alfarrábios, e mais nada. E pensando bem, minha querida, não há tudo isso nos meus livros? Música e canto, bordados e rendas... que delícia e que finura em certos versos... que encanto e que magia em certas frases!... Palpo esses bordados, essa macieza de cetins, beijo esses pontos delicados, essa espuma de rendas, essas brancuras ténues, esses negros chorosos e trágicos, e acho-os melhores, convenço-me que valem mais que os mais valiosos trabalhos em que mãos de princesas descansassem. E muitas vezes surpreendo-me a sorrir com um pouco de ironia e de piedade por todas essas belas coisas, coisas de mulheres tão finas e tão leves como a leviandade...

Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"

Farol.


Farol
Facho de fogo que me ilumina
luz intelectual que me guia...
Anel brilhante
fantasia!
Ostentação
falsa aparência
verossímil...
Contradizendo rumos
recordação vaga
reminiscência...

Mais ou menos.


A gente pode morar numa casa mais ou menos, numa rua mais ou menos, numa cidade mais ou menos, e até ter um governo mais ou menos.

A gente pode dormir numa cama mais ou menos, comer um feijão mais ou menos, ter um transporte mais ou menos, e até ser obrigado a acreditar mais ou menos no futuro.

A gente pode olhar em volta e sentir que tudo está mais ou menos...

TUDO BEM!

O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito nenhum...
é amar mais ou menos, sonhar mais ou menos, ser amigo mais ou menos, namorar mais ou menos, ter fé mais ou menos, e acreditar mais ou menos.

Senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos.

Chico Xavier

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Tudo tem os seus custos...

Os Livros Tristes.




É diferente a impressão que nos produzem os livros tristes; a ti entristecem-te e a mim alegram-me. Para os verdadei¬ros desgraçados, é sempre motivo de felicidade a desgraça dos outros; só os livros alegres e cheios de vida e de sol é que me entristecem, como tudo que é feliz. Eu odeio os felizes, sabes? Odeio-os do fundo da minha alma, tenho por eles o desprezo e o horror que se tem por um réptil que dorme sossegadamente. Eu não sou feliz mas nem ao menos te sei dizer porquê. Nasci num berço de rendas rodeada de afectos, cresci despreocupada e feliz, rindo de tudo, contente da vida que não conhecia, e de repente, amiga, no alvorecer dos meus 16 anos, compreendi muita coisa que até ali não tinha compreendido e parece-me que desde esse instante cá dentro se fez noite. Fizeram-se ruínas todas as minhas ilusões, e, como todos os corações verdadeiramente sinceros e meigos, despedaçou-se o meu para sempre. Podiam hoje sentar-me num trono, canonizar-me, dar-me tudo quanto na vida representa para todos a felicidade, que eu não me sentiria mais feliz do que sou hoje. Falta-me o meu castelo cheio de sol entrelaçado de madressilvas em flor; falta-me tudo que eu tinha dantes e que eu nem sei dizer-te o que era... É esta a história da minha tristeza. História banal como quase toda a história dos tristes. Mesmo que a quisessem pôr em romance, não dava para duas páginas; para folhetim também não serve porque lhe falta o enredo, serve só para te maçar, minha querida, não é verdade? Tu ainda tens medo dos livros que te fazem chorar... Pois, olha, dizem que a felicidade dos tristes são as lágrimas; eu creio-o bem...

Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"