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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Deve Ser Tão Bom Ser Alegre .




Deve ser tão bom ser alegre, ser feliz, não é verdade? Ter a alma quente como o estofo de um ninho, ser pequenino em tudo até nos desejos, que bom deve ser, não deve? Os corações pequeninos, os modestos, são sempre tão bondosos, tão quentes! O meu anda à solta, tão grande, tão ambicioso, tem sempre frio, está sempre só... Ninguém sabe andar com ele! E nota, minha Júlia, que eu não sou como muitas mulheres que querem ser tristes, que só se encontram bem na solidão, que procuram a paz, o silêncio e a indiferença de todos; que cultivam no peito com extremos de amor todas as saudades, que acariciam e albergam todas as dores! Eu não, eu expulso, desesperada, todas as lágrimas, eu procuro aquecer-me a todos os risos, comprimo sempre o coração para o fazer pequenino, estendo os ouvidos a todas as canções, olho ao longe, de olhos muito abertos, todos os céus.
E é sempre em vão! E os risos calam-se quando eu quero ouvir, e os meus pobres olhos tristes cegam-se a todas as claridades. Mas agito sempre os guizos, faço sempre barulho, um barulho infernal cheio de vida, de alegria, imito todos os risos e cá dentro é noite... e cumprimentam-me todos pelo meu génio alegre e «divertido»... Tem graça, pois não tem, minha Júlia? Se soubessem como sou hipócrita! Que horror todos teriam de mim! Assim sou... muito sincera, de uma franqueza que chega muitas vezes à brutalidade (dizem os que me conhecem muito bem) e sou... extremamente alegre, não há tristezas que me cheguem nem venturas que me fujam!

Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"

4 comentários:

r disse...

Esta senhora, caríssimo, tinha uma profunda depressão, lá isso tinha. Antes os seus ensaios poéticos que esta prosa deprimida de quem acha que ser poeta é ser mais alto

angela disse...

Que confusa essa alma feminina!
Como a maioria...rs
beijos

r disse...

Não penso que as «almas» femininas sejam confusas, nem quis dizer tal coisa em relação a Florbela. Aliás, penso que as mulheres, em geral, são ou podem ser tão confusas como os homens. Não creio, de modo nenhum, que a confusão, seja caracteristíca, prória da pessoa feminina. De todo!
Só quis dizer que não tenho grande vínculo à poesia de Florbela. Nem a acho confusa, penso-a, deprimente e até bipolar, aliás, isso é patente nas circunstâncias em que pôs fim à própria vida.
Foi, basicamente, o que quis dizer.

Tais Luso de Carvalho disse...

A própria Florbela diz, enquanto publicava seu último livro ‘Reliquiae’ – 1931, que quase sempre sentia-se deprimida, 'com uma doença dos nervos', fumando em excesso e emagrecendo sensivelmente.

Deprimida ou confusa, foi uma das mais importantes poetas, desnudando sua própria alma e seus problemas existenciais. Trouxe o sofrimento e desvendou a alma humana em seus poemas.

Qualquer texto poético de Florbela emociona, pois é revelador.

bjs.
Tais luso