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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Os Arlequins - Sátira




Musa, depõe a lira!
Cantos de amor, cantos de glória esquece!
Novo assunto aparece
Que o gênio move e a indignação inspira.
Esta esfera é mais vasta,
E vence a letra nova a letra antiga!
Musa, toma a vergasta,
E os arlequins fustiga!

Como aos olhos de Roma,
— Cadáver do que foi, pávido império
De Caio e de Tibério, —
O filho de Agripina ousado assoma;
E a lira sobraçando,
Ante o povo idiota e amedrontado,
Pedia, ameaçando,
O aplauso acostumado;

E o povo que beijava
Outrora ao deus Calígula o vestido,
De novo submetido
Ao régio saltimbanco o aplauso dava.
E tu, tu não te abrias,
Ó céu de Roma, à cena degradante!
E tu, tu não caías,
Ó raio chamejante!

Tal na história que passa
Neste de luzes século famoso,
O engenho portentoso
Sabe iludir a néscia populaça;
Não busca o mal tecido
Canto de outrora; a moderna insolência
Não encanta o ouvido,
Fascina a consciência!

Vede; o aspecto vistoso,
O olhar seguro, altivo e penetrante,
E certo ar arrogante
Que impõe com aparências de assombroso;
Não vacila, não tomba,
Caminha sobre a corda firme e alerta:
Tem consigo a maromba
E a ovação é certa.

Tamanha gentileza,
Tal segurança, ostentação tão grande,
A multidão expande
Com ares de legítima grandeza.
O gosto pervertido
Acha o sublime neste abatimento,
E dá-lhe agradecido
O louro e o monumento.

Do saber, da virtude,
Logra fazer, em prêmio dos trabalhos,
Um manto de retalhos
Que a consciência universal ilude.
Não cora, não se peja
Do papel, nem da máscara indecente,
E ainda inspira inveja
Esta glória insolente!

Não são contrastes novos;
Já vem de longe; e de remotos dias
Tornam em cinzas frias
O amor da pátria e as ilusões dos povos.
Torpe ambição sem peias
De mocidade em mocidade corre,
E o culto das idéias
Treme, convulsa e morre.

Que sonho apetecido
Leva o ânimo vil a tais empresas?
O sonho das baixezas:
Um fumo que se esvai e um vão ruído;
Uma sombra ilusória
Que a turba adora ignorante e rude;
E a esta infausta glória
Imola-se a virtude.

A tão estranha liça
Chega a hora por fim do encerramento,
E lá soa o momento
Em que reluz a espada da justiça.
Então, musa da história,
Abres o grande livro, e sem detença
À envilecida glória
Fulminas a sentença.

Machado de Assis, in 'Crisálidas'

4 comentários:

angela disse...

O velho Machado sabia das coisas.
beijos

Sylvia disse...

Roma foi... o que foi. Deixou-nos glorias e desgracas. Herancas que caminham conosco. Em todas as formas, gloria a nossa bem-amada Lingua!

Sandra disse...

Machado de Assis, é Machado de Assis.

É maravilhoso, receber amigos em nossa casa, e passar o dia conosco.
Amo a sua Amizade.
És um amigo muito especial para mim.
Sei que as palavras, são pequenas, mais tem um peso muito grande em nossa Vida.Valorizo cada momento que está aqui, juntinho de mim.
Por isso quero dizer que amo muito vc. meu GRANDE AMIGO VIRTUAL.

QUE DEUS ABENÇÕE VC. POR ESTAR SEMPRE EM MEU BLOG, COM TODO ESTE CARINHO, QUE É MUITO IMPORTANTE PARA MIM.
UM ABRAÇO BEM FORTE..TENHA UM LINDO DIA.
SANDRA

Ângela disse...

Oi Manuel!!!
Tem um selo para você - "Um pouco de mim em 05 revelações".
È uma brincadeira de completar as frases, espero que aceite.
Beijos.
Ângela