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quarta-feira, 26 de maio de 2010

A Proibição




Tem cuidado ao amar-me.
Pelo menos, lembra-te que to proibi.
Não que restaure o meu pródigo desperdício
De alento e sangue, com teus suspiros e lágrimas,
Tornando-me para ti o que foste para mim,
Mas tão grande prazer desgasta a nossa vida duma vez.
Para evitar que teu amor por minha morte seja frustrado,
Se me amas, tem cuidado ao amar-me.

Tem cuidado ao odiar-me,
E com os excessos do triunfo na vitória,
Ou tornar-me-ei o meu próprio executor,
E do ódio com igual ódio me vingarei.
Mas tu perderás a pose do conquistador,
Se eu, a tua conquista, perecer pelo teu ódio:
Então, para evitar que, reduzido a nada, eu te diminua,
Se tu me odeias, tem cuidado ao odiar-me.

Contudo, ama-me e odeia-me também.
Assim os extremos não farão o trabalho um do outro:
Ama-me, para que possa morrer do modo mais doce;
Odeia-me, pois teu amor é excessivo para mim;
Ou deixa que ambos, eles e não eu, se corrompam
Para que, vivo, eu seja teu palco e não teu triunfo.
Então, para que o teu amor, ódio, e a mim, não destruas,
Oh, deixa-me viver, mas ama-me e odeia-me também.

John Donne, in "Poemas Eróticos"

Uma Discussão nesta Santa Terra Portuguesa Acaba sempre aos Berros




Não há maneira. Por mais boa vontade que tenham todos, uma discussão nesta santa terra portuguesa acaba sempre aos berros e aos insultos. Ninguém é capaz de expor as suas razões sem a convicção de que diz a última palavra. E a desgraça é que a esta presunção do espírito se junta ainda a nossa velha tendência apostólica, que onde sente um náufrago tem de o salvar. O resultado é tornar-se impossível qualquer colaboração nas ideias, o alargamento da cultura e de gosto, e dar-se uma trágica concentração de tudo na mesquinhez do individual.

Miguel Torga, in "Diário (1940)"

terça-feira, 25 de maio de 2010

Dia Mundial da Criança



Espectáculo de animação O Romance da Raposa A Biblioteca Municipal Alexandre O’Neill irá desenvolver durante o mês de Junho, um conjunto de actividades de promoção do livro e da leitura e de estímulo à criatividade e à imaginação dos seus utilizadores, em especial, as crianças.

Em 1950 comemorou-se pela primeira vez o Dia Mundial da Criança para reconhecer às crianças de todo o mundo, independentemente da raça, cor, sexo, religião e origem nacional ou social, o direito à afeição, ao amor e à compreensão, a uma alimentação adequada, a cuidados médicos, a educação gratuita, a protecção contra a exploração e por fim, o direito a crescer num clima de Paz e Fraternidade universais.

Assim, para assinalar este dia, a Biblioteca irá convidar o grupo Pinto Pançudo, constituído por uma contadora de histórias, um músico e duas artistas plásticas, a apresentar um espectáculo de animação denominado O Romance da Raposa de Aquilino Ribeiro. Pretende-se desta forma que através da narrativa, da acção, da música e da imagem se vá ao encontro do imaginário da criança, promovendo um repertório tradicional infanto-juvenil, aplicando a experiência pedagógica e artística de cada elemento.

Aberta ao público infantil, esta actividade está agendada para o dia 1 de Junho (terça-feira), pelas 14.00H, no Cine-teatro Municipal de Constância.

Para informações, inscrições ou esclarecimentos adicionais contactar a Biblioteca Municipal Alexandre O´Neill através do número de telefone 249 739 367, ou via correio electrónico para biblioteca@cm-constancia.pt. Por CMC

Ontologia do Amor




Tua carne é a graça tenra dos pomares
e abre-se teu ventre de uma a outra lua;
de teus próprios seios descem dois luares
e desse luar vestida é que ficas nua.

Ânsia de voo em asas de ficar
de ti mesma sou o mar e o fundo.
Praia dos seres, quem te viajar
só naufragando recupera o mundo.

Ritmo de céu, por quem és pergunta
de uma azul resposta que não trazes junta
vitral de carne em catedral infinda.

Ter-te amor é já rezar-te, prece
de um imenso altar onde acontece
quem no próprio corpo é céu ainda.

Vítor Matos e Sá, in 'Horizonte dos Dias'

A Verdade é Amor




A verdade é amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde esquecer. É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao filósofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse equilíbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista. Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos em. razão ou mesmo em inteligência. Porque só se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está «feito um para o outro». Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio consente. E só o consente, se o amar. Porque mesmo a verdade dos outros — a política, por exemplo — se temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la talvez no ódio, que é a outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade.

Vergílio Ferreira, in "Pensar"

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Eternamente verde.


Vou plantar o planeta de verde
num mundo verde de esperança
semear para colher maduro
colher os frutos da vida
no futuro de um criança...

Verde são os anos
do amor que chega e parte
verde dos nossos enganos
dos amores simples
ingénuos
sem arte...

Mar verde
verde olhar
verde da imensidade
de um rio que corre para o mar
oceano verde da saudade...

Verde é também
o clube da minha eleição
Sporting clube de Portugal
esforço
dedicação
devoção e glória
coração de Leão...

Verde eterno
árvore da vida
em mim constante
permanente
perpétuo,infindável
minha cor preferida.

domingo, 23 de maio de 2010

Amizade .




Uma criança muito suja atira pedras a um cão. O cão
não foge. Esquiva-se e vem até junto da criança
para lhe lamber o rosto.

Há, depois, um abraço apertado, de compreensão e
de amizade. E lado a lado, com a mãozinha muito
suja no pescoço felpudo, lá vão, pela rua estreita,
em direcção ao sol.

António Salvado, in "Cicatriz"

Literatura.


Antes e depois de Coimbra,pela vida fora,livros como Igipto,cartas de Inglaterra,Ecos de París,conrespondência de Fradique Mendes,Notas contemporâneas é todo um largo e animado filme de aspectos da vida do tempo,surpreendida em sua febre de acção e pensamento renovadores.Sempre vivo nele o interesse vital da experiência humana,tanto como interessse intelectual pelas criações do espírito,tanto como o interesse pelas mais profundas asnsiedade da alma...

(Hernãni Cidade)

sábado, 22 de maio de 2010

Amor Pacífico e Fecundo .




Não quero amor
que não saiba dominar-se,
desse, como vinho espumante,
que parte o copo e se entorna,
perdido num instante.

Dá-me esse amor fresco e puro
como a tua chuva,
que abençoa a terra sequiosa,
e enche as talhas do lar.
Amor que penetre até ao centro da vida,
e dali se estenda como seiva invisível,
até aos ramos da árvore da existência,
e faça nascer
as flores e os frutos.
Dá-me esse amor
que conserva tranquilo o coração,
na plenitude da paz!

Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"

A Força do Preconceito




Nós em teoria compreendemos as pessoas, mas na prática não as suportamos, pensei, na maior parte das vezes só a contragosto lidamos com elas, e tratamo-las sempre de acordo com o nosso próprio ponto de vista. Não deveríamos no entanto considerar e tratar as pessoas apenas segundo o nosso ponto de vista, mas sim considerá-las e tratá-las segundo todos os pontos de vista, pensei, lidar com elas de uma maneira que pudéssemos dizer que lidámos com elas sem o mínimo preconceito, por assim dizer, mas isso não é possível porque, na realidade, alimentamos sempre preconceitos para com toda a gente.

Thomas Bernhard, in 'O Náufrago'

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Besame mucho.

Com os votos de um bom fim de semana.



A Alvorada do Amor.




Um horror grande e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:

"Chega-te a mim! entra no meu amor,
E à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação...
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
E, vendo-te a sangrar das urzes através,
Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés...
Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,
Ilumina o degredo e perfuma o deserto!
Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,
Levo tudo, levando o teu corpo querido!

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:
- Tudo renascerá cantando ao teu olhar,
Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,
Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!
Rosas te brotarão da boca, se cantares!
Rios te correrão dos olhos, se chorares!
E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,
Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu,
Agora que és mulher, agora que pecaste!

Ah! bendito o momento em que me revelaste
O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime!
Porque, livre de Deus, redimido e sublime,
Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus,
- Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!"

Olavo Bilac, in "Poesias"

Quando...


Quando o amor quer falar, a razão deve calar ...

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A Sofreguidão de um Instante .




Tudo renegarei menos o afecto,
e trago um ceptro e uma coroa,
o primeiro de ferro, a segunda de urze,
para ser o rei efémero
desse amor único e breve
que se dilui em partidas
e se fragmenta em perguntas
iguais às das amantes
que a claridade atordoa e converte.
Deixa-me reinar em ti
o tempo apenas de um relâmpago
a incendiar a erva seca dos cumes.
E se tiver que montar guarda,
que seja em redor do teu sono,
num êxtase de lábios sobre a relva,
num delírio de beijos sobre o ventre,
num assombro de dedos sob a roupa.
Eu estava morto e não sabia, sabes,
que há um tempo dentro deste tempo
para renascermos com os corais
e sermos eternos na sofreguidão de um instante.

José Jorge Letria, in "Variantes do Oiro"

Engate...

Fidelidade Feminina ...




Fala-se muito da fidelidade feminina, mas raras vezes se diz o que convém. Do ponto de vista estritamente estético, ela paira como um fantasma por sobre o espírito do poeta, que vemos atravessar a cena em demanda da sua amada, que é também um fantasma preso à espera do amante - porque quando ele aparece e ela o reconhece, pronto, a estética já não tem mais que fazer. A infedilidade da mulher, que podemos relacionar directamente com a fidelidade precedente, parece relevar essencialmente da ordem moral, visto já que o cíume toca sempre os aspectos de paixão trágica.
Há três casos em que o exame é favorável à mulher: dois mostram a fidelidade, e um a infedilidade. A fidelidade feminina será enorme, excederá tudo quanto a gente possa pensar, enquanto a mulher não tiver a certeza de ser verdadeiramente amada: será muito grande, ainda que nos pareça incompreensível, quando o amante lhe perdoar; no terceiro caso temos a infedilidade.

Soren Kierkegaard, in 'O Banquete' (Discurso de Constantino)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Saudade Só




Hoje vieste ver-me
a troco de um pensamento
que não se esconde
na ressonância adormecida
num olimpo.

Vieste e trazias
um ramo de palavras cintilantes,
flores que pacientemente
escorrem entre o alfa e o omega
como um perfume de tempo.

Hoje a tua visita
apareceu à janela do tempo
que a paisagem do nosso olhar
incendeia num vespertino silêncio.

De corpo cansado
das pedras que colhi
na paisagem transparente erguida
adormeci na pausa
tão perfeitamente adormecida
do nosso paraíso
que tarda a acontecer.

Hoje vieste ver-me
E, sem ter de tocar
no mármore da paixão,
contigo fui devagar
ver o tempo passado para nele escrever
o tempo do amor
voz da nossa idade
que nossos olhos cantam
no canto do nosso olhar.

Carlos Melo Santos, in "Lavra de Amor"

Felicidade Perene e Felicidade Duradoura




Por entre as vicissitudes de uma longa vida, reparei que as épocas das mais doces delícias e dos prazeres mais vivos não são aqueles cuja lembrança mais me atrai e mais me toca. Esses curtos momentos de delíriro e paixão, por mais vivos que possam ter sido, não são, no entanto, e até pela sua própria intensidade, senão pontos bem afastados uns dos outros na linha da minha vida. Foram demasiados raros e demasiado rápidos para constituírem um estado, e a felicidade de que o meu coração sente saudades não é constituída por instantes fugidios, é antes um estado simples e permanente que em si mesmo não tem vivacidade, mas cuja duração aumenta o seu encanto ao ponto de nele encontrar finalmente a felicidade suprema.

Na terra, tudo vive num fluxo contínuo. Nada conserva uma forma constante e segura, e as nossas afeições, que se prendem às coisas exteriores, passam e, como elas, mudam. Sempre à nossa frente ou atrás de nós, elas lembram o passado que já não existe, ou prevêem o futuro que muitas vezes não será: não existe nada de sólido a que o coração possa prender-se. É por isso que, na terra, só existe prazer passageiro; duvido que se conheça felicidade que dure. Nos nossos prazeres mais vivos, quase não existe um instante em que o coração possa verdadeiramente dizer-nos: Queria que este instante durasse para sempre; e como poderá chamar-se felicidade a um estado fugidio que nos deixa o coração inquieto e vazio, que nos faz ter saudades de algo que passou, ou desejar alguma coisa no futuro?

Jean-Jacques Rousseau, in 'Os Devaneios do Caminhante Solitário'

terça-feira, 18 de maio de 2010

Poeta Só




Prende-me tua pele
ao perfume dos teus seios
e sinto que o mundo em mim se fechou.

Jardins de vida me trazes,
odor de brilho aberto,
em voo de gaivota
rente ao mar.

Esse fulvo encontro
me encanta à noite
se à janela
procuro o entrelaçado
da tua memória.

Ouço a noite
no céu estelar
cantar a nossa solidão:
o meu coração perdido
em teu olhar,
e o odor da tua pele
por mim espera
para que em ti se levante.

Carlos Melo Santos, in "Lavra de Amor"

Dia Internacional dos Museus


O museu transforma a obra em objecto ...

Não Penses ...



Não penses. Que raio de mania essa de estares sempre a querer pensar. Pensar é trocar uma flor por um silogismo, um vivo por um morto. Pensar é não ver. Olha apenas, vê. Está um dia enorme de sol. Talvez que de noite, acabou-se, como diz o filósofo da ave de Minerva. Mas não agora. Há alegria bastante para se não pensar, que é coisa sempre triste. Olha, escuta. Nas passagens de nível, havia um aviso de «pare, escute, olhe» com vistas ao atropelo dos comboios. É o aviso que devia haver nestes dias magníficos de sol. Olha a luz. Escuta a alegria dos pássaros. Não penses, que é sacrilégio.

Vergílio Ferreira, in "Conta-corrente - nova série - 2"

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Futuro em BRANCO...


Cabelos BRANCOS
raio de luz composto
caminhos percorridos na vida
respeito
velhinhos
de lindo rosto...

Pomba BRANCA
da paz
da liberdade
és luz
pureza
bondade...

BRANCO
espaço entre as linhas escritas
de um livro
em prosa ou verso
transmite sabedoria
conhecimento
de todo o universo...

Sonhos BRANCOS
de noites claras
translúcidos em água transparente
raios de luz
que me iluminam a noite
clareiam a minha mente...

Futuro
papel em BRANCO
onde escrevemos e desejamos
onde se aclara o sonho
a ilusão
concebemos e inventamos
a fantasia
fértil imaginação...

domingo, 16 de maio de 2010

Só um Mundo de Amor pode Durar a Vida Inteira ...




Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixonade verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.
Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Expresso'

sábado, 15 de maio de 2010

Desculpem-me qualquer coisinha...


Mas,hoje não estou para ninguém,tirei o dia para brincar com a minha neta.

Parabéns Laura.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Literatura


Sinopse

Numa Lisboa sem tempo, entre Benfica e o centro, nascem, vivem, sonham, amam, casam, trabalham e morrem as personagens deste livro. No ventre de uma oficina de carpintaria aninha-se o cemitério de pianos, instrumentos cujo mecanismo, à semelhança dos seres que os rodeiam, não está morto, encontrando-se antes suspenso entre vidas. Exílio voluntário onde se reflecte, se faz amor, lugar de leituras clandestinas, espaço recatado de adúlteros, pátio de brincadeiras infantis e confessionário de mortos, é o espaço onde se encadeiam gerações.

Os narradores – pai e filho –, em tempos diferentes, que se sobrepõem por vezes, desvendam a história da família, numa linguagem intercalada de sombras e luz, de silêncio e riso, de medo e esperança, de culpa e perdão. Contam-nos histórias de amor, urgentes e inevitáveis, pungentes, nas quais se lê abandono, violência doméstica e faltas nem sempre redimidas que, no entanto, acabam por ser resgatadas pelo poder esmagador da ternura e dos afectos. Falam-nos de morte, não para indicar o fim, mas a renovação, o elo entre as gerações e a continuação: o pai – relação entre dois Franciscos, iguais no nome e no destino, por um gerado, do outro genitor – nasce no dia da morte desse primeiro Lázaro; o filho, neto do seu homónimo, morre no dia em que a sua mulher dá à luz.

José Luís Peixoto oferece-nos um texto mágico, no qual se cruzam, numa interacção fluida, diálogos cúmplices com a grande tradição da literatura portuguesa e universal.

Saudade .




Ter saudade
é vaga disforme de um corpo.
Ter saudade
é pássaro que aparece e se apaga
erguido de confusão
na angústia, teste dado à natureza
bruxuleante dentro de mim.
Ter saudade
é fingir qualquer coisa que inquieta,
levantada, desenterrada do crivo da memória.
Por vezes quando o tempo por ela passa
não passa o tempo da saudade,
estátua rígida dum destino anoitecido,
passa um nada meio acontecido.
Saudade,
é filha da alma do mundo
que de tanto ser outro
sou eu já.
Saudade,
porque viajas cansada
em horas dentro de mim?
Saudade
que vieste até à última força desta linha,
brumosa da eterna caminhada.
Sempre que vieres
sem avisares
leva-me contigo
para que a paz volte
à memória de meu corpo
como o rio que passa
no tempo final da minha natureza.

Carlos Melo Santos, in "Lavra de Amor

Dança pela dança...


A dança não é só uma expressão perpendicular de um desejo horizontal.Dançar é sublime,a dança tem que vir do coração.A dança é mais que um ritmo exacto,é a expressão do que nos vai na alma,é aquilo que por vezes as palavras não sabem expressar.Resumindo dança-se dançando mas eu gosto de dançar a dança da dança.
Há quem me diga que já não sou deste tempo,Concordo,sou mais do tempo da gata borralheira, a do sapatinho de cristal.Sim porque o sapatinho de cristal desta nova geração é o preservativo,calça-se quando se conhece um estranho,dança-e toda a noite,depois manda-se fora, o preservativo claro,não o estranho...

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Beleza


É o amor que faz a beleza das coisas ...

Impulso


Estado de espírito
Impulsivo
irrefletido
arrebatador
num espaço limitado
enternecido
de indifinida extensão
onde bate o coração...
Em êstase de ternura
meu gozo intímo
absorvido na contemplação
deleita-me
com o teu encanto
beijo-te
na minha imaginação...
Arrebatado
impulsivo
encanto sobrenatural
sedução irresistível
de um amor sentido
integral...

O Isolamento do Momento é Indiferença ...




Se nos examinarmos num determinado momento - no instante presente, separado do passado e do futuro - descobrimo-nos inocentes. Não podemos ser nesse instante mais do que aquilo que somos: todo o desenvolvimento implica uma duração. Está na essência do mundo, nesse instante, que sejamos assim.
Isolar assim um instante implica o perdão. Mas este isolamento é indiferença.

Simone Weil, in 'A Gravidade e a Graça'

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Não Sei Meu Amor.



Não sei
meu amor
porque a memória
se fecha
quando do abismo da vida
já tombaram os meus olhos
na aridez da esperança.

Não sei
meu amor
porque a memória
chora, oculta
se ninguém a viu nascer.

Entretanto
de teus olhos, águias de fogo,
vem um reino eterno,
de calor e significado
claro e sem segredos.

Fecho os meus
e volta a dor
na cruzada
a trazer-me teus olhos
num espaço sem fronteira
na vertigem de teu corpo.

Todo o meu desejo pressente
que da lembrança recomeça
o regresso da tua criação
dessa tarde emocionada
que me trouxe à vida
tua vida transfigurada.

Carlos Melo Santos, in "Lavra de Amor"

Ama-se um Corpo como Instrumento de Amar .




Ama-se um corpo como instrumento de amar, como forma de onanismo de que o trabalho é dele. Ou como êxtase de um terror paralítico. Ou como orientação ao impossível que não está lá. Com raiva desespero de quem já não pode mais e não sabe o quê. Como avidez insuportável não de o ter tido na mão, porque o podemos ter nela, sofregamente, boca seios o volume quente harmonioso da anca e tudo esmagar até à fúria, ter o que aí se procura e que é o que lá está, mas não o que está atrás disso e é justamente o que se procura e se não sabe o que é nem jamais poderemos atingir.

Vergílio Ferreira, in "Em Nome da Terra"

terça-feira, 11 de maio de 2010

Vazio de alma...


Sinto um vazio na alma
o vento empurra-me
despe-me de sentidos
lágrimas nos meus olhos
profundos e tristes
inexpressivos...
Meu corpo
desocupado,ausente
vazio de sentimentos
vão
fútil
frívolo
carente...
Minha alma insensível
vagueia sem destino
ociosamente
sem rumo certo
deambulando na incerteza
indiferente...
Irresoluto no amor
hesito
a luz treme
ao fundo do túnel
vacilo na incerteza
sonho
desconexo
confuso
sem clareza...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Verde do meu coração.


Verde és a cor da natureza
da armonia e crescimento
exuberante ,fértil
fresco
sempre presente...




Verde
verdejante
inexperiente
Vinho novo
carne fresca
virente que verdejas em florescente...



Verde também és vigor
juventude
esperança e alma
és o masculino
lembras o mar
em dias de calma.



Verde "langeri"
cor da minha perdição
imoral
devassa
fantasias quem não as tem ?
Libertina sedução...



Sporting clube de Portugal
teu lema:
Esforço dedicação
devoção e glória
és VERDE
clube do meu coração
és alma
és poesia...

domingo, 9 de maio de 2010

Imperdível.


Lisboa não tem estes defeitos da luz : é serena,
imperturbável, silenciosa. Quer a sua inviolabilidade,
evita as feridas terríveis. Tem a sensatez,
a prudência, a economia, o medo. Não
quer alumiar, para não lutar; não quer pensar,
para não sofrer. Não quer criar, pensar, apostolar,
criticar. Escuta e aplaude toda a voz, ou
sejam as imprecações de Danton, ou os versos do
poeta Nero. As ondas que solucem, as florestas
que se lamentem! Ela tem o riso radioso e
sereno.
Sente-se abundante, gorda, coberta de luz.
Sente-se protegida, livre, caiada e fresca. Não
tem de catar as suas misérias, nem de amparar
o pau das forcas: por isso, comenta Sancho
Pança. Não tem de construir a catedral das
ideias, nem de compor a sinfonia da alma: por
isso, escuta os melros nas várzeas, e reza as Ave-
-Marias. Paris, Londres, Nova Iorque, Berlim,
suam e trabalham, em espírito. Ela não tem que
semear: por isso, ressona ao sol.

Âs vezes, porém, comete o mal, enterrando
ideias. Onde? Na escuridão, no silêncio, no desprezo.
Lisboa é um pouco coveira de almas!
Como Roma, ela tem as sete colinas; como
Atenas, tem um céu tão transparente que poderia
viver nele o povo dos deuses; como Tiro,
é aventureira do mar; €omo Jerusalém, crucifica
os que lhe querem dar uma alma. Todavia,
Lisboa o que faz? Come.
Come, ao cair da tarde, sem testemunhas
impiedosas, quando sabe que os astros vêm longe,
que as asas sonham com o vento, que os olhos
das flores se fecham de sono. Deus não vê, da
sua varanda de sol, que, para esta velha cidade,
heróica e legendária, que nos seus velhos dias
tomou o pecado da gula, o abdómen é uma realidade
livrei Até ali, durante o dia, os seus cabelos
caíam como ramos de salgueiros, as suas faces
estavam amareladas, dos seus olhos chovia dor;
ainda não tinha comido! Depois, à noite, quando
sai do alimento como duma vitória, os olhares
são gritos de luz, os cabelos plumas gloriosas, o
peito arca de ideais: comeu!


Eça de Queiroz in Prosas bárbaras.

sábado, 8 de maio de 2010

A Lealdade é um Amor que Esquece o Mundo.




Só se é realmente leal quando se está sujeito a alguém ou a algo. Aí, onde mesmo um sonho pode ser senhor. Na sujeição de quem serve uma causa, na sujeição de quem se submete a um chefe, na sujeição à pessoa amada, na sujeição do sentimento e na sujeição do dever, no sacrifício da liberdade, da razão e do interesse. No desperdício e no desprezo do que está à vista e do que está à mão, é nesta desagradável situação que se acha ou não acha a lealdade. É por ser selvagem e servil, mas só a um senhor, que a lealdade tem valor. É muito difícil ser-se leal, mas só porque é muito difícil seguirmos o coração. A lealdade é um amor que esquece o mundo.

Ao escolher um amigo, e ao ser-se amigo dele, rejeitam-se as outras pessoas. Quando estamos apaixonados, é através dessa pessoa que amamos a humanidade. O amor ocupa-nos muito. E para os outros, não fica quase nada.
Não se consegue ser leal ao ponto de calar o coração. Mas sofremos com as nossas deslealdades. Sabemos perfeitamente o que estamos a fazer, quem sacrificámos, e porquê. É por causa da consciência da nossa imperfeição que o ideal da verdadeira lealdade não pode ser abandonado ou alterado. O facto de ser incumprível não obriga a que se arranje uma versão softcore, mais cómoda e realista. É preciso aguentar. A lealdade é uma coisa tão cega e simples de determinar quanto é difícil de determinar quanto é difícil de seguir.

Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa'

Cântico ao Amor.




Somos na obra do Mundo
um corpo em carne e desejo
que alimenta de alquimia
o tumulto do vento
que o tempo do teu corpo espalha
ao passar.

És mar,
és rainha
és o sol da tarde confidente
és acácia perfumada
companheira coroada
voz de inquietação
és insónia de seda
nas paredes do meu corpo.
Sulcas a lembrança
batalhas a meu lado
vives comigo às escondidas
mesmo no dia
do meu suicídio.

Recordas-me a tarde
nos Champs Elysées
mas também em Roma, Veneza ou Madrid
minha companheira coroada
minha acácia perfumada
trazes a tarde incendiada trazes
a tarde no teu olhar
lembras a praia
onde nas ondas mergulhámos,
vem contigo a madrugada
beijada de carícias,
meus olhos não se cansam
são fruto do teu reino
oh sempre bela
oh sempre rainha,
tua palavra determinante
tuas mãos determinadas
tua alma vibrante
tua boca de eternidade
minha acácia perfumada
minha coluna rainha
falas comigo baixinho
dás-me tua vontade em surdina.

Se tens trinta, quarenta ou cinquenta,
os anos que importam
vem esta tarde comigo
dádiva natural
minha rainha da noite
rainha coroada
vem sem eu saber
se Deus existe ou morreu
minha acácia perfumada
traz teus olhos de luar
traz tuas mãos abençoadas
traz teu andar sufocante
dá-me a tua última palavra
deixa-me beijar teu rosto
vem repartir nosso fado
vem rosa branca de amor
vem minha acácia florida,
vem!
Antes que o céu se levante.

Carlos Melo Santos, in "Lavra de Amor"

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Bom fim de semana.


Uma boa palavra reanima ...

Filosofias de Vida




A cada etapa da vida do homem corresponde uma certa Filosofia. A criança apresenta-se como um realista, já que está tão convicta da existência da peras e das maçãs como da sua. O adolescente, perturbado por paixões interiores, tem que dar maior atenção a si mesmo, tem que se experimentar antes de experimentar as coisas, e transforma-se protanto num idealista. O homem adulto, pelo contrário, tem todos os motivos para ser um céptico, já que é sempre útil pôr em dúvida os meios que se escolhem para atingir os objectivos. Dito de outro modo, o adulto tem toda a vantagem em manter a flexibilidade do entendimento, antes da acção e no decurso da acção, para não ter que se arrepender posteriormente dos erros de escolha. Quanto ao ancião, converter-se-á necessariamente ao misticismo, porque olha à sua volta e as mais das coisas lhe parecem depender apenas do acaso: o irracional triunfa, o racional fracassa, a felicidade e a infelicidade andam a par sem se perceber porquê. É assim e assim foi sempre, dirá ele, e esta última etapa da vida encontra a acalmia na contemplação do que existe, do que existiu e do que virá a existir.

Johann Wolfgang von Goethe, in "Máximas e Reflexões"

No cair da noite...


Vi nos olhos teus
quando olhavas os meus
um olhar profundo
uma alma amargurada
um adeus...
Será transfiguração da alma
evaporação do amor
ou um simples olhar triste
saudoso
de um amanhecer
no florir de uma flor ?...
Talvez
de um pôr de sol
que lá longe
na linha do horizonte
nos divide
nos separa
no cair da noite
que tudo apaga...