Seguidores

terça-feira, 28 de abril de 2009

A Quimera da Felicidade.





(...) do alto de uma montanha, inclinei os olhos a uma das vertentes, e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma cousa única. Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das cousas. Tal era o espectáculo, acerbo e curioso espectáculo. A história do homem e da terra tinha assim uma intensidade que não lhe podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim, - flagelos e delícias, - desde essa cousa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das cousas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura, - nada menos que a quimera da felicidade, - ou lhe fugia perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.

Machado de Assis, in 'Memórias Póstumas de Brás Cubas'

1 comentário:

Anónimo disse...

HÁ QUEM DIGA QUE A FELICIDADE NÃO SE ENCONTRA, FAZ-SE-------;MAS, QUANDO RENUNCIAMOS AO ENTUSIASMO, DE ENCONTRAR A FELICIDADE,NA NOSSA ALMA, JÁ HAVERÁ SOMBRAS.NENHUM DE NÓS,POR MAIS VULNERÁVEL QUE SEJA, NÃO TEM QUE SER FRÁGIL, AO PONTO DE A NÃO PROCURAR.MUITAS VEZES AS ÁRVORES, É QUE NÃO NOS DEIXAM VER O BOSQUE.-------------------MAS POR ONDE ANDARÁ A FELICIDADE BOM DEUS.OU ELA ESTARÁ QUANDO ESCREVEMOS, OU LEMOS,E DEIXA-MOS A NOSSA ALMA VOAR, VOAR,SEM FREIO NEM ARREIO?---ACHO QUE SIM,NESSE MOMENTO HÁ FELICIDADE,UMA DELAS, PORQUE HÁ VÁRIAS,E EU ACHO QUE HÁ UMA, QUE MAIS VALE NÃO PROCURAR,PARA NÃO SE PERDER A ESPERANÇA DE A NÃO ENCONTRAR.---------------DE COIMBRA.