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domingo, 22 de junho de 2008

A guerra roubou-lhe a alma e os sonhos.


Põe anúncios no jornal a pedir uma mulher que aceite ter um filho seu



José António Pereira era um jovem como milhares de outros. Partiu de Constância para a guerra colonial em 1972. Em dois anos ficou psicologicamente arrasado. Ficou vivo mas perdeu a alma e os sonhos. Trinta anos depois põe anúncios nos jornais para arranjar uma mulher que esteja disposta a ter um filho seu.

Por causa da guerra tem a fachada da casa decorada com painés de azulejos com mensagens bizarras como: “Cuidado com o dono, que o cão está preso”. Por causa da guerra encheu a casa de centenas de bibelôs e faz colecção de tudo e mais alguma coisa. Por causa da guerra colonial põe anúncios nos jornais oferecendo dinheiro à mulher que aceite ter um filho seu. “A guerra estragou-me a vida toda. Se não tivesse ido à guerra, toda a minha vida seria diferente”, desabafa José António Pereira, conhecido na vila de Constância por “Paveia”.

Reformou-se da actividade de electricista há 23 anos e sofre há mais de 30 de distúrbio pós-traumático de stress de guerra. Esteve na guerra como radio-telegrafista, em Moçambique, entre 1972 e 1974. Estava lá há apenas seis meses quando a mãe morreu. Não pôde assistir ao funeral e só um ano e meio mais tarde é que chorou junto à sua campa.

Os primeiros indícios da doença surgiram em Junho de 1974, poucos meses antes de regressar a Portugal. Não dormia. Nem de noite nem de dia. “Também não dizia coisa com coisa”, acrescenta. Acabou por ser internado num hospital psiquiátrico. Regressa à metrópole em Outubro desse ano mas, segundo as suas palavras, ainda vinha pior da cabeça porque, já depois de sair do hospital, o tinham posto de sentinela à noite com a promessa que o regresso a Portugal seria mais rápido.

De tratamento em tratamento, as melhoras nunca foram significativas. Já esteve internado algumas vezes num conhecido hospital de saúde mental de Lisboa, as duas últimas a seu pedido. “Estava sozinho, não tomava a medicação pelo que fui eu próprio a pedir para ser internado para ver se me ajudavam”, explica. Já conta 18 anos desde a última vez que foi internado e, desde então, leva uma vida solitária, entre as suas fotografias antigas, colecções de automóveis em miniatura, e a paixão pelo Benfica

Há três semanas pôs um anúncio num jornal. Procura desesperadamente deixar descendência. Quer encontrar uma mulher que se disponha a ter um filho seu. “Não me custa estar solteiro, tenho pena é de não ter filhos”, explica o homem de meia-idade, bem-falante e educado. Oferece 500 euros mensais à mulher se disponha a realizar o seu maior sonho. É o terceiro anúncio do género que manda publicar mas, por diversas razões e circunstâncias, nunca teve êxito, isto apesar de ter recebido dezenas de respostas.

Pior do que combater

“Esta noite não durmo. Quando falo nestas coisas é uma noite sem dormir mas eu conto”, diz. E começa a desfiar memórias. Outubro de 1972. Comando de Defesa de Cahora Bassa, Moçambique. Cenário de guerra. Numa pequena caserna há alguém que está responsável por um dos postos de transmissões, recebendo e enviando mensagens codificadas via-rádio. Às seis da manhã, alguém pede socorro e ordem para evacuação. Há um soldado que levou um tiro no joelho e está a esvair-se em sangue. É emitida uma mensagem relâmpago.

O resgaste deveria ser feito de helicóptero mas para evacuar o ferido para o Hospital de Tete era necessário um helicóptero-canhão para proteger o outro. Não havia nenhum e o piloto do heli que transportaria o ferido não quis ir. Às três da tarde, altura em que estavam reunidas as condições para o resgate já o soldado tinha morrido, esvaído em sangue. “Uma coisa tão simples e morreu porque ninguém o socorreu. Sentia-me impotente para ajudar os outros e isso era desgastante”, conta José António Pereira. “Não andava a combater mas era pior que combater”, desabafa.

Recorda ainda o ataque de que a companhia e o posto de transmissões foi alvo, em 1973. “Cinco rampas de lançamento de foguetões dispararam a cerca de seis quilómetros do nosso quartel. A nossa sorte foi termos feito um abrigo, uma barraca de chapa ao lado da caserna de transmissões, porque já previamos que o quartel fosse atacado”, conta.

Por causa da guerra, José António Pereira quer instalar no jardim de sua casa um monumento aos que morreram em África. Aos que ficaram deficientes. Aos que, como ele, nunca mais voltaram a ser o que eram. Se um dia, por acaso, passar por lá e vir o memorial, não estranhe. Lembre-se da história de José António Dias Pereira. Lembre-se da história de todos os que sofreram na guerra.

Fonte:Mirante Online.

Um abraço José António Paveia.

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