
Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou váriamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpétuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada [?], por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.
Fernando Pessoa, in 'Para a Explicação da Heteronímia'
4 comentários:
Tenho sérias dúvidas se um heterónimo é uma máscara
aliás, reformulo: não é uma máscara.
eu não sinto nada que não tenha, múltiplos somos todos, acontece que este sabia escrever e a maioria de nós, não sabe.
A cara do meu momento.
muito bom gosto como sempre!
Um beejo ,
Manuel, poeta, amado!
Não sei quem sou...achei que sabia...não sei mais. "Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída."(Clarice Lispector)
Beijuuss n.c.
Rê
www.toforatodentro.blogspot.com
Gosto muito deste texto de Pessoa, ele diz exactamente o que eu penso! Não somos um, somos vários e eu às vezes fico a pensar quem em mim está a falar!..
Bj,
Manú
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