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quinta-feira, 24 de junho de 2010

Onde Será a Terra Prometida?




Triste época a nossa! Para que oceano correrá esta torrente de iniquidades? Para onde vamos nós, numa noite tão profunda? Os que querem tactear este mundo doente retiram-se depressa, aterrorizados com a corrupção que se agita nas suas entranhas.
Quando Roma se sentiu agonizar, tinha pelo menos uma esperança, entrevia por detrás da mortalha a Cruz radiosa, brilhando sobre a eternidade. Essa religião durou dois mil anos, mas agora começa a esgotar-se, já não basta, troçam dela; e as suas igrejas caem em ruínas, os seus cemitérios transbordam de mortos.
E nós, que religião teremos nós? Sermos tão velhos como somos, e caminharmos ainda no deserto, como os Hebreus que fugiam do Egipto.
Onde será a Terra prometida?
Tentámos tudo e renegámos tudo, sem esperança; e depois uma estranha ambição invadiu-nos a alma e a humanidade, há uma inquietação imensa que nos rói, há um vazio na nossa multidão; sentimos à nossa volta um frio de sepulcro.

A humanidade começou a mexer em máquinas, e ao ver o ouro que nelas brilhava, exclamou: «É Deus!» E come esse Deus. Há - e é porque tudo acabou, adeus! adeus! - vinho antes da morte! Cada um se precipita para onde o seu instinto o impele, o mundo formiga como os insectos sobre um cadáver, os poetas passam sem terem tempo para esculpir os seus pensamentos, mal os lançam nas folhas, as folhas voam; tudo brilha e ecoa nesta mascarada, sob as suas realezas de um dia e os seus ceptros de cartão; o ouro rola, o vinho jorra, a devastidão fria ergue o vestido e bamboleia-se... horror! horror!
E depois, há sobre tudo isso um véu de que cada um tira a sua parte, para se esconder o mais possível.
Escárnio! horror! horror!

Gustave Flaubert, in 'Memória de um Louco'

7 comentários:

r disse...

Quem é que andou a fazer promessas às pessoas?

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Essência e Palavras disse...

Que titulo forte!
me fez pensar!
:(


Beejo e boa sexta, amigo!

Lua Nova disse...

Flaubert morreu há 130 anos e parece que esse texto foi feito para nossos dias, tão atual e oportuno é. Impressionante como o homem, apesar de tanta evolução tecnológica, em essência continua o mesmo.
" Onde será a Terra prometida?"
Acho que é dentro de nós e muito poucos a alcançarão. A maioria caminhará no deserto, sofrendo essa "inquietação imensa que nos corrói...", ainda por muito tempo.
Eu, eu mesma, não sei se já a encontrei, mas busco por ela sinceramente.
Beijos.

Maria Ribeiro disse...

Tão actual, MANUEL MARQUES!
BEIJO

angela disse...

Desencantando tempo esse nosso.
beijos

Je Vois La Vie en Vert disse...

Um texto tão actual do Flaubert !

Porque esperar tanto pela Terra Prometida e não tentar viver decentemente nesta terra onde estamos actualmente ?

Sou uma pessoa com Fé e vejo o meu futuro com calma porque acho que temos que merecer esta Terra Prometida e sem ser santa, tento caminhar em frente com dignidade, respeitando e ajudando os outros quando posso e respeitando Deus nas minhas palavras e nos meus actos.
Talvez é uma maneira um pouco simplista, mas não me questiono demais (deixo o meu cérebro repousar...;)), vivo sem stresse e sou feliz assim.

Beijinhos
Verdinha