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segunda-feira, 6 de julho de 2009

Perdão.







Hoje sonhei que te perdoava. Estamos sentados frente a frente, desconfortáveis, com olhares perdidos. Eu podia sentir o teu desespero mudo no ar, tocar nele, moldá-lo à minha maneira, fazer dele capricho meu. Você fingia tomar seu café e olhar pela janela. O café estava tão quente que era quase uma presença humana. Éramos, então, quatro: eu, você, o café e seu desespero, percebi nisso metáfora indizível. Mesmo no fim, mesmo em sonhos, nunca sozinhos.

Sádica, eu folheava o jornal displicentemente e jogava os cadernos pelo chão, bagunçando tudo de propósito, como que para te irritar pela última vez. Você, numa coragem súbita, quebra o silêncio. Apenas ergo os olhos, fitando-te friamente e volto a uma notícia tediosa, no caderno de política. Falava alguma coisa sobre um tratado político no Sul da África... você fala, fala, fala. Fala coisas que eu não entendo, ou não lembro. Diz que se arrepende, pede desculpas, promete o céu e felicidade eterna. Continuo a ler, termino mais uma página e a jogo no chão, quase com desprezo. Sentindo o corpo inteiro estremecer, numa raiva contida, você se limita a olhar com o canto do olho a mais uma provocação e ignora, permitindo-se um resto de orgulho.

Ao perceber que ainda somos nós — você, puro orgulho, eu, pura implicância — dou um meio sorriso, sabendo que não tenho o direito de me sentir feliz. Você, de repente, percebe tudo e dá um sorriso largo, criança em dia de natal. Surpresa, apenas arregalo os olhos, você ri do meu espanto. Mais alto. Gargalha. Contagiada, vou sentindo minha boca se abrir, tímida, até se escancarar. Sentimos o corpo tremer e rimos, em uma crise guardada, sem explicação, sem motivo.

Passamos tempo incontável assim, a rir sem motivos e, de repente, paramos. Pela primeira vez, nos olhamos de verdade, com olhos de quem ri, inocentes e carinhosos. Finalmente, nós dois entendemos e, calados, aceitamos nosso destino: orgulho e implicância. Nos perdoamos.


Izabel Santa Cruz Fontes

9 comentários:

angela disse...

Uma graça, uma delicia de texto. Que gostoso.
beijos risonhos

SILÊNCIO CULPADO disse...

Manuel

É um texto ternurento que revela cumplicidade numa convivência já previsível pelo hábito.
Talvez não se trate bem de perdão mas mais de aceitação porque há amor depois do amor.

Abraço

AFRICA EM POESIA disse...

Manuel
com carinho...



PERDÃO

Passam as horas…
Passam os dias…
Passam os anos…
Tudo passa…
Porque esta vida é assim…
Passar, para te esquecer!...
Mas a ti…
Não te esqueço…
Nunca o faria…
Porque te quero tanto…
E tantas vezes sonhei…
Tantas vezes pensei…
Como fazer?...
Para te voltar a ter?
Mas é difícil…
E eu…
Fui a culpada…
Porque te deixei…
Porque te abandonei…
Porque não tive coragem…
De ficar contigo…
Para sempre…
Agora estou aqui…
A pedir-te perdão …
A ti Angola…
País do meu coração…


Lili Laranjo

Anónimo disse...

A HUMILDADE É MAIS FÁCIL PARA QUEM TIVER FEITO ALGUMA COISA,DO QUE PARA QUEM NUNCA FEZ NADA.
QUANTO MAIS FIZERES,MAIS HUMILDE TE IRÁS SENTINDO.
SABES PORQUÊ?
PORQUE IRÁS VENDO,QUANTO VAIS FICANDO MELHOR.
----BÔA-NOITE--

Anónimo disse...

Oi querido,
passei para deixar um beijo para vc.

Ângela disse...

Oi Manuel!!!
Lindo este texto, sentimentos que andam sempre juntos, amor e perdão.
"O amor deveria perdoar todos os pecados, menos um pecado contra o amor. O amor verdadeiro deveria ter perdão para todas as vidas, menos para as vidas sem amor.
(Oscar Wilde)"
Um grande abraço, amigo.
Ângela

Sandra disse...

Lindo texto. As vezes é muito dificil, perdoar, quando a mágoa esta presente.
mas é um ato de amor o perdão. Um gesto muito sublime.
Tem selo em curiosa para vc.
Se vc, ainda não for seguidor do curiosa, fica aberto o convite.
Com carinho
sandra

♥ ♥ Eu disse...

Lindo texto, perdoar é um sentimento muito nobre.

1 beijo!

PedrasTuas disse...

Querido Amigo.

UM texto tão terno que nem sei que mais dizer dele...

foi muito agradável lê-lo...

Obrigada

Só uma pergunta. Haverá mesmo necessidade de perdoar? não ficará tudo esquecido?